A cidade ocidental.
"Em 2006, o Ocidente vive em tempo de dúvida. Dúvida sobre a autoridade universal de uma civilização, dúvida sobre a dimensão universal dos seus valores. As torres do World Trade Center levaram consigo a miragem de um século pacífico. À ilusão de uma ”nova ordem mundial”, seguiu-se o ritmo da desordem e a lógica do impasse – Afeganistão, Iraque, Abu Ghraib, Guantánamo, guerra no Líbano, caos na Palestina, sonho nuclear no Irão. A desordem instalou-se no mundo e o impasse promete marcar o lento ritmo da História.
Em 1900, o Ocidente encarava o novo século com orgulho e confiança. Em 2006, o Ocidente vive em tempo de dúvida. Dúvida sobre a autoridade universal de uma civilização, dúvida sobre a dimensão universal dos seus valores. O Ocidente vive sobretudo o incerto destino de uma ameaça. Uma ameaça que o Ocidente insiste em ignorar, quer por simples incapacidade para entender, quer pelo reflexo da consciência que evita os sinais da realidade. O tempo trará certamente a fortuna de um longo desgaste.
A imagem das Tween Towers continua a marcar a paisagem americana. Longe de um qualquer síndrome sentimental, a questão relevante remete para a avaliação do papel dos Estados Unidos numa hipotética ”ordem global”. No fundo, será o velho debate entre John Quincy Adams e Woodrow Wilson. Para Adams, a nação americana não deveria ”procurar além fronteiras monstros para destruir”. Para Wilson, a nação americana seria a ”cidade na colina”, a ”cidade brilhante”, cujo destino nacional seria inseparável da promoção e dispersão da liberdade e da democracia pelo mundo. O 11 de Setembro atingiu a ”cidade na colina”. E atingiu sobretudo a ideia e a identidade da América. ”Realista” ou ”idealista”, muito do que o futuro nos reserva passará pelo confronto entre duas tradições centrais à ideia e à identidade da República Americana.
O vazio do World Trade Center aumentou a distância do Atlântico. Mas é na Europa que se observa esse estranho movimento entre as linhas civilizacionais. Entre o Islão e o Ocidente, as fracturas do multiculturalismo explodiram com estrondo no metro de Londres.
Convém recordar as palavras de Osama Bin Laden na sequência do 11 de Setembro: ”Os valores da civilização Ocidental, sob a liderança da América, foram destruídos. Essas terríveis e simbólicas torres que falam da liberdade, direitos humanos e humanidade foram destruídas. Desapareceram tranformadas em fumo”. Mas convirá igualmente recordar as palavras de Naguib Mahfouz, Prémio Nobel da Literatura no ano de 1988. Quando perguntado sobre o significado do Islão, Mahfouz invocou o exemplo do íman de uma velha mesquita. O resgate de um refém implicava a troca do mesmo por tratados de filosofia grega, livros de matemática e compêndios de medicina. Era esta ”curiosidade” e ”generosidade de espírito” que Naguib Mahfouz ambicionava para a sua ”cidade”. Entre imagens de reféns decapitados e o som grave dos corpos que percorrem o ar próximo das Tween Towers, a cidade de Mahfouz vive tempos difíceis. Os tempos difíceis que ameaçam a cidade ocidental."
Carlos Marques de Almeida
Em 1900, o Ocidente encarava o novo século com orgulho e confiança. Em 2006, o Ocidente vive em tempo de dúvida. Dúvida sobre a autoridade universal de uma civilização, dúvida sobre a dimensão universal dos seus valores. O Ocidente vive sobretudo o incerto destino de uma ameaça. Uma ameaça que o Ocidente insiste em ignorar, quer por simples incapacidade para entender, quer pelo reflexo da consciência que evita os sinais da realidade. O tempo trará certamente a fortuna de um longo desgaste.
A imagem das Tween Towers continua a marcar a paisagem americana. Longe de um qualquer síndrome sentimental, a questão relevante remete para a avaliação do papel dos Estados Unidos numa hipotética ”ordem global”. No fundo, será o velho debate entre John Quincy Adams e Woodrow Wilson. Para Adams, a nação americana não deveria ”procurar além fronteiras monstros para destruir”. Para Wilson, a nação americana seria a ”cidade na colina”, a ”cidade brilhante”, cujo destino nacional seria inseparável da promoção e dispersão da liberdade e da democracia pelo mundo. O 11 de Setembro atingiu a ”cidade na colina”. E atingiu sobretudo a ideia e a identidade da América. ”Realista” ou ”idealista”, muito do que o futuro nos reserva passará pelo confronto entre duas tradições centrais à ideia e à identidade da República Americana.
O vazio do World Trade Center aumentou a distância do Atlântico. Mas é na Europa que se observa esse estranho movimento entre as linhas civilizacionais. Entre o Islão e o Ocidente, as fracturas do multiculturalismo explodiram com estrondo no metro de Londres.
Convém recordar as palavras de Osama Bin Laden na sequência do 11 de Setembro: ”Os valores da civilização Ocidental, sob a liderança da América, foram destruídos. Essas terríveis e simbólicas torres que falam da liberdade, direitos humanos e humanidade foram destruídas. Desapareceram tranformadas em fumo”. Mas convirá igualmente recordar as palavras de Naguib Mahfouz, Prémio Nobel da Literatura no ano de 1988. Quando perguntado sobre o significado do Islão, Mahfouz invocou o exemplo do íman de uma velha mesquita. O resgate de um refém implicava a troca do mesmo por tratados de filosofia grega, livros de matemática e compêndios de medicina. Era esta ”curiosidade” e ”generosidade de espírito” que Naguib Mahfouz ambicionava para a sua ”cidade”. Entre imagens de reféns decapitados e o som grave dos corpos que percorrem o ar próximo das Tween Towers, a cidade de Mahfouz vive tempos difíceis. Os tempos difíceis que ameaçam a cidade ocidental."
Carlos Marques de Almeida
7 Comments:
Infelizmente ,muita gente pensa que "a imagem das Twin Towers continua a marcar a imagem americana".Ora a verdade é que parafraseando Kennedy, "We are all Newyorkers" devia ser o nosso sentimento.Foi a nossa civilização que passou a esta ameaçada por assassinos bárbaros.Mas, o Ocidente está abrir brechas ,enquanto muitos acusam Bush de todos os males.Basta ver o prazer com que a Euronews ,que é suportada pelos europeus,passava hoje o "Vídeo" do Bin Laden a preparar os "mártires" para o 11/9.A nossa Roma está ser infiltrada e cede,enquanto se acusa o "imperador".Embora se chame sempre por ele ,quando há problema.Ocidente de má-fé!...
Tanto ao artigo como ao comentário de vg nada há a acrescentar. Parabens a ambos pela sintetização da ideia.Infelizmente a nossa civilização,boa ou má, vai ser destruida "por dentro".
Esta dualidade civilizacional, Oriente/Ocidente, Islamamismo/Cristianismo, agravada com o Globalism -porque nem Um nem Outro quer perder - deixou de ser o "motor" do desenvolvimento, para ser o pretexto para a luta pela Democratização Global. Só que está longe de o conseguir e, pela invasão dos territórios, nunca o conseguirá. Foi e será sempre assim! uns a destruirem e outros a construirem o negócio (economia) vai funcinando e concentrando a riquesa, cada vez em menos "pessoas"!. É por isto que já não acredito na política que nos andam a impingir!
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O discurso do costume entre os bons e os maus. O ocidente explorou e humilhou a civilização islâmica sem problemas de conciência aos mesmo tempo que enriqueceu e se tornou imperialista. A luta contra o imperialismo é um direito de todos os povos oprimidos. A liberdade não tem que ter o alvará do Ocidente.
Artigo de elevada qualidade em que a honestidade intelectual do colunista está bem patente. Não interessa estar agora a discutir se os ataques de 11 de Setembro foram uma consequência dos desmandos e injustiças do ocidente. Não se deve justificar as acções dos agressores em função da barbaridade das Torres Gémeas. Acho a posição do colunista muito correcta e séria. Um bom contributo para o debate que temos de fazer.
O anonymous da 1:10 diz:
"O ocidente explorou e humilhou a civilização islâmica sem problemas de conciência aos mesmo tempo que enriqueceu e se tornou imperialista."
Pode apresentar bases para esta afirmação, em particular a "exploração" e "humilhação" e o que entende por "civilização islâmica"??????
É que isto dado assim de barato até parece um sintoma do Sindroma de Estocolmo....
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