Apenas um concurso
"Ao eleger os ‘Grandes Portugueses’, inúmeros dos pequenos traem as suas íntimas ambições, e estas não incluem a democracia.
Começo por um esclarecimento. Eu sei que ‘Os Grandes Portugueses’ é um concurso televisivo. E que, sendo mero espectáculo, não justifica arrebatamentos, profissões de fé ou imolações pelo fogo, como se um espectáculo pudesse apurar de facto o ‘maior português’ e como se tal coisa existisse. Mesmo assim, desde que observemos a fronteira que separa a realidade da alucinação, é divertido fingir que se leva aquilo a sério. Peço, então, licença para fingir que a já célebre ‘lista dos Dez’ merece análise.
Para minha surpresa, ao contrário da lista dos 100, pródiga em excentricidades e anedotas, a dos ‘Dez’ é, de um modo geral, razoável. Li por aí que sofre de “conservadorismo”. Não é doença grave. Pelo menos, evita o tipo de embaraços que os equivalentes estrangeiros do programa não evitaram. No meio dos seus melhores, os ingleses colocaram a senhorita Diana e John Lennon. Os americanos, Elvis Presley e a apresentadora Oprah Winfrey. E os franceses a malograda Piaf, além de dois actores dos quais só os franceses poderiam gostar. Apenas as escolhas alemãs escapam ao circo. Aliás, tirando o sinuoso Willy Brandt (uma antipatia pessoal), o ‘peso’ da lista alemã impressiona: Lutero, Marx, Bach, Guttenberg, Goethe, Einstein.
Obviamente, Portugal não é a Alemanha. Mas, de um modo geral (insisto), fizemos o que pudemos. A nossa ‘lista’ inclui três figuras ligadas aos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, Vasco da Gama e D. João II. Temos, por dívida ao mito e inerência de funções, D. Afonso I. Há o reformismo do Marquês de Pombal, ainda que com alguns excessos para os sensíveis padrões contemporâneos. Na literatura, estão Camões e Pessoa, os únicos nomes próximos de uma espécie de ‘cânone’. E, se acharmos o Holocausto o evento central do século XX (eu acho), aceita-se o relevo concedido a Aristides de Sousa Mendes.
Contei oito. Faltam dois. E esses é que se lamentam, e, por azar, esses é que interessam. A RTP teve o cuidado de apresentar a ‘lista’ final por ordem alfabética. Não eliminou a suspeita de que Salazar terá sido o mais votado e de que Cunhal andou perto. Para a frente, a ameaça é que o programa se reduza a uma competição exclusiva entre militantes das duas luminárias acima.
Seria ridículo relembrar agora os currículos de Salazar e de Cunhal. Espantosamente, seria também útil: segundo parece, largos sectores da população inscreveram-se em claques de apoio a um ditador fradesco e a um funcionário de Estaline – como se ignorassem o que representam ou, pior, como se apreciassem o respectivo legado. Ao eleger os ‘Grandes Portugueses’, inúmeros dos pequenos traem as suas íntimas ambições, e estas não incluem a democracia.
Felizmente, relembro que isto é um simples concurso, cujos resultados, decerto viciados, não permitem extrapolação. Se permitissem, a liberdade, a prosperidade e o relativo privilégio em que hoje, apesar de tudo, vivemos, constituiriam uma improvável vitória perante tantos de nós que, alegadamente, abominam tais conquistas. Vai-se a ver e os grandes portugueses são todos os restantes. Apesar de tudo. "
Alberto Gonçalves
Para minha surpresa, ao contrário da lista dos 100, pródiga em excentricidades e anedotas, a dos ‘Dez’ é, de um modo geral, razoável. Li por aí que sofre de “conservadorismo”. Não é doença grave. Pelo menos, evita o tipo de embaraços que os equivalentes estrangeiros do programa não evitaram. No meio dos seus melhores, os ingleses colocaram a senhorita Diana e John Lennon. Os americanos, Elvis Presley e a apresentadora Oprah Winfrey. E os franceses a malograda Piaf, além de dois actores dos quais só os franceses poderiam gostar. Apenas as escolhas alemãs escapam ao circo. Aliás, tirando o sinuoso Willy Brandt (uma antipatia pessoal), o ‘peso’ da lista alemã impressiona: Lutero, Marx, Bach, Guttenberg, Goethe, Einstein.
Obviamente, Portugal não é a Alemanha. Mas, de um modo geral (insisto), fizemos o que pudemos. A nossa ‘lista’ inclui três figuras ligadas aos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, Vasco da Gama e D. João II. Temos, por dívida ao mito e inerência de funções, D. Afonso I. Há o reformismo do Marquês de Pombal, ainda que com alguns excessos para os sensíveis padrões contemporâneos. Na literatura, estão Camões e Pessoa, os únicos nomes próximos de uma espécie de ‘cânone’. E, se acharmos o Holocausto o evento central do século XX (eu acho), aceita-se o relevo concedido a Aristides de Sousa Mendes.
Contei oito. Faltam dois. E esses é que se lamentam, e, por azar, esses é que interessam. A RTP teve o cuidado de apresentar a ‘lista’ final por ordem alfabética. Não eliminou a suspeita de que Salazar terá sido o mais votado e de que Cunhal andou perto. Para a frente, a ameaça é que o programa se reduza a uma competição exclusiva entre militantes das duas luminárias acima.
Seria ridículo relembrar agora os currículos de Salazar e de Cunhal. Espantosamente, seria também útil: segundo parece, largos sectores da população inscreveram-se em claques de apoio a um ditador fradesco e a um funcionário de Estaline – como se ignorassem o que representam ou, pior, como se apreciassem o respectivo legado. Ao eleger os ‘Grandes Portugueses’, inúmeros dos pequenos traem as suas íntimas ambições, e estas não incluem a democracia.
Felizmente, relembro que isto é um simples concurso, cujos resultados, decerto viciados, não permitem extrapolação. Se permitissem, a liberdade, a prosperidade e o relativo privilégio em que hoje, apesar de tudo, vivemos, constituiriam uma improvável vitória perante tantos de nós que, alegadamente, abominam tais conquistas. Vai-se a ver e os grandes portugueses são todos os restantes. Apesar de tudo. "
Alberto Gonçalves
3 Comments:
Devo informar, que na Alemanha, ao contrario do que este artigo parece transmitir, o Ditador Adolph Hitler, estava fora das hipóteses de votação, já com a intenção de prevenir "este" tipo Sal de embaraços. Enfim, em ultima instância, este artigo, é uma crónica, com todo o seu relativismo e parcialidade inerente, não com carácter de informar, mas antes de influenciar!
Foi uma grande iniciativa. Acho que não devem haver especulações de nenhuma natureza. Estes finalistas foram homens que marcaram de alguma forma a História de Portugal e que de alguma forma nos fizeram herdar esses tempos. Não há que ter medos, fobias ou ressentimentos. Esta foi uma experiência que ninguém consegue à partida prever resultados.Caldas da Rainha
CARO AMIGO
Bem ou Mal o Canal de Historia aqui há uns tempos atras, fez o mesmo concurso " QUAL O MELHOR PORTUGUES DO SECULO" e quem ganhou?
UM ABRAÇO
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