Língua de fora
"É capaz de ser uma brincadeira ritual do Bloco, começar o ano com uma toleima recorrente e fictícia (...)
De quando em quando, esquecemo-nos do Bloco de Esquerda. Fazemos mal. Ao contrário do que muitos dão por adquirido, os senhores do Bloco não se dedicam exclusivamente àquelas causas ‘fracturantes’ e tontas. Às vezes, também lhes ocorrem causas apenas tontas. E quase sempre divertidas.
Amanhã, por exemplo, será discutido na Assembleia da República um projecto de lei que visa a criação de turmas bilingues nas escolas primárias. Dito assim, já é bom. Analisado a fundo, é ainda melhor: o Bloco quer que os filhos dos imigrantes em Portugal aprendam as matérias na língua de origem; o Bloco quer dois professores por sala de aula, um de Português e o outro da língua que calhar; o Bloco quer um mínimo de 30% de alunos portugueses por turma; isto porque, explicam-nos, o Bloco não quer a “guetização” (sic) dos meninos estrangeiros. De brinde, a proposta possibilita aos imigrantes no liceu a troca do Inglês e do Francês pela língua dos seus pais.
Convém acrescentar que estas maravilhas se inspiram num relatório de Miguel Portas, aprovado há meses no Parlamento Europeu, o que, de caminho, revela o ócio que domina a referida instituição e confirma o caos na cabeça de Miguel Portas. Falta perceber para que servem.
Certamente não servem para elevar os resultados escolares. Em França, raro e inevitável modelo de aplicação de uma coisa parecida, serviram a renovação do parque automóvel, às mãos de jovens magrebinos, isqueiros e gasolina. Mas a imigração que temos provém sobretudo do Leste da Europa e das ex- -colónias. E, como se sabe, mesmo na língua de adopção as crianças do Leste tendem a ser melhores alunas que as suas equivalentes indígenas. Quanto aos descendentes dos PALOP e do Brasil, seria de esperar que falassem português. O Bloco, porém, não vai em simplismos e prevê a adopção dos próprios dialectos maternos, o que abre fascinantes perspectivas. Os petizes angolanos, para citar um único caso, poderão optar entre dezenas de linguajares, desde o quimbundo à nhaneca. Se, no nosso simplório sistema, a colocação de professores é o pandemónio que conhecemos, haverá imensa expectativa acerca da capacidade do ministério em destacar docentes de quimbundo para Oliveira do Bairro, digamos. Por mim, alimento uma expectativa particular em volta do ensino da informática em nhaneco.
No máximo, encontro duas justificações possíveis para tamanha alucinação. A primeira é ser mentira. Se não me engano, o mesmo projecto de lei surgiu em 2006, mais ou menos por esta altura, para depois desaparecer sem deixar rasto. É capaz de ser uma brincadeira ritual do Bloco, começar o ano com uma toleima recorrente e fictícia, a título de aquecimento para as toleimas a sério que se seguem.
A outra hipótese é ser uma retorcida, e sacrificial, tentativa de salvação do nosso sistema escolar e das novas gerações. As inúmeras reformas aplicadas já provaram a inabilidade das crianças portuguesas na aprendizagem do Português. Talvez a sua exposição forçada ao romeno, ao ucraniano e até ao quimbundo as salve de um futuro analfabeto e, consequentemente, da adolescente simpatia pelo Bloco."
Alberto Gonçalves
De quando em quando, esquecemo-nos do Bloco de Esquerda. Fazemos mal. Ao contrário do que muitos dão por adquirido, os senhores do Bloco não se dedicam exclusivamente àquelas causas ‘fracturantes’ e tontas. Às vezes, também lhes ocorrem causas apenas tontas. E quase sempre divertidas.
Amanhã, por exemplo, será discutido na Assembleia da República um projecto de lei que visa a criação de turmas bilingues nas escolas primárias. Dito assim, já é bom. Analisado a fundo, é ainda melhor: o Bloco quer que os filhos dos imigrantes em Portugal aprendam as matérias na língua de origem; o Bloco quer dois professores por sala de aula, um de Português e o outro da língua que calhar; o Bloco quer um mínimo de 30% de alunos portugueses por turma; isto porque, explicam-nos, o Bloco não quer a “guetização” (sic) dos meninos estrangeiros. De brinde, a proposta possibilita aos imigrantes no liceu a troca do Inglês e do Francês pela língua dos seus pais.
Convém acrescentar que estas maravilhas se inspiram num relatório de Miguel Portas, aprovado há meses no Parlamento Europeu, o que, de caminho, revela o ócio que domina a referida instituição e confirma o caos na cabeça de Miguel Portas. Falta perceber para que servem.
Certamente não servem para elevar os resultados escolares. Em França, raro e inevitável modelo de aplicação de uma coisa parecida, serviram a renovação do parque automóvel, às mãos de jovens magrebinos, isqueiros e gasolina. Mas a imigração que temos provém sobretudo do Leste da Europa e das ex- -colónias. E, como se sabe, mesmo na língua de adopção as crianças do Leste tendem a ser melhores alunas que as suas equivalentes indígenas. Quanto aos descendentes dos PALOP e do Brasil, seria de esperar que falassem português. O Bloco, porém, não vai em simplismos e prevê a adopção dos próprios dialectos maternos, o que abre fascinantes perspectivas. Os petizes angolanos, para citar um único caso, poderão optar entre dezenas de linguajares, desde o quimbundo à nhaneca. Se, no nosso simplório sistema, a colocação de professores é o pandemónio que conhecemos, haverá imensa expectativa acerca da capacidade do ministério em destacar docentes de quimbundo para Oliveira do Bairro, digamos. Por mim, alimento uma expectativa particular em volta do ensino da informática em nhaneco.
No máximo, encontro duas justificações possíveis para tamanha alucinação. A primeira é ser mentira. Se não me engano, o mesmo projecto de lei surgiu em 2006, mais ou menos por esta altura, para depois desaparecer sem deixar rasto. É capaz de ser uma brincadeira ritual do Bloco, começar o ano com uma toleima recorrente e fictícia, a título de aquecimento para as toleimas a sério que se seguem.
A outra hipótese é ser uma retorcida, e sacrificial, tentativa de salvação do nosso sistema escolar e das novas gerações. As inúmeras reformas aplicadas já provaram a inabilidade das crianças portuguesas na aprendizagem do Português. Talvez a sua exposição forçada ao romeno, ao ucraniano e até ao quimbundo as salve de um futuro analfabeto e, consequentemente, da adolescente simpatia pelo Bloco."
Alberto Gonçalves
1 Comments:
patético, absolutamente patético!
Além do que já aqui disse sobre o assunto, ainda há a multiplicar o número de linguas, pelo número de escolas, e quem sabe, ainda teriamos de "importar" professores, não ???!!!
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