quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Lápis contra bomba

"Esta semana, um tribunal de Paris irá decidir a extensão do nosso medo. Já estamos prontos para a degola? Quinta-feira, 15, iremos saber onde estão as nossas calças. Ainda pela cintura ou já pelos joelhos? Vai decidir um tribunal parisiense. A questão: três desenhos publicados no semanário satírico ‘Charlie Hebdo’, respondendo a bombas com risos, gozou com o terrorismo islâmico. “Se já não podemos rir dos terroristas, o que nos resta?”, indignou-se, à barra do tribunal, o director do jornal, Philippe Vial, quarta-feira passada, 7. Esta semana será a sentença.
Depois do caso das caricaturas de Maomé do jornal dinamarquês, o ‘Charlie Hebdo’ decidiu também publicá-las. O semanário é uma instituição do jornalismo francês. Anarquista e satírico, dispara sobre todos os poderes. Nasceu, aliás, de um tiro desses. Em Novembro de 1970 um incêndio matou dezenas de pessoas numa discoteca da vila de Saint Laurent du Pont. Todos os jornais fizeram grandes títulos: “Baile Trágico em Saint Laurent du Pont: 146 mortos!” Nessa semana morreu na sua aldeia natal, Colombey-les-Deux-Églises, o herói e ex-presidente francês Charles De Gaulle. Um semanário satírico chamado ‘Hara-Kiri’ fez este título: “Baile Trágico em Colombey-les-Deux-Églises: um morto!”

O ‘Charlie Hebdo’, fundado pelos jornalistas do ‘Hara-Kiri’, descende desse humor exagerado. Numa Páscoa anunciou na capa “A Face Escondida de Jesus”.

Na contra-capa, um desenho da cruz vista por trás... Havia gente que gostava desse humor e havia gente que não gostava. Um dos grandes feitos da Europa foi resolver esse dilema. Fez assim: os que gostavam, compravam o jornal; os que não gostavam, não compravam o jornal. Mas esse compromisso foi uma coisa longa, de séculos. Houve tempo em que quem não gostava daqueles risos mandava para a fogueira quem ria. Ter chegado ao tal compromisso é uma das coisas que fazem a Europa grande (ainda).

Então, no ano passado, o ‘Charlie Hebdo’ publicou desenhos sobre Maomé. Três dos quais o levaram a tribunal. 1) Na capa, um original de Cabu, um dos maiores desenhadores franceses, mostrava Maomé que se lamenta: “É triste ser amado por estes parvos.” 2) Repetido do jornal dinamarquês, um desenho de Maomé com uma bomba sob o turbante. 3) Repetido do jornal dinamarquês, um desenho de Maomé dizendo aos bombistas-suicidas: “Parem, já não temos mais virgens!” A estes três desenhos, a Mesquita de Paris considerou “injúria pública a pessoas por causa da sua religião”.

Um das testemunhas a favor do jornal foi o filósofo tunisino Abdel Wahab Medded, que disse que se fartou de rir com o desenho de Cabu: “É exactamente o que eu penso, quanto ele deve lamentar-se ser amado por esses parvos [os extremistas muçulmanos]”. O director do semanário lembrou que Maomé não era visado: “Os desenhos denunciam a utilização que os extremistas fazem do Islão.” O advogado da Mesquita respondeu-lhe que ele estava a soprar nas brasas. Vial lembrou-lhe que o fogo já ardia há muito: 11 de Setembro, Bali, Madrid, Londres...

O candidato presidencial Nicolas Sarkozy defendeu o jornal: “Prefiro o excesso de caricatura à ausência de caricatura.” Outra testemunha, a quem a acusação lembrou que uma sondagem, no ano passado, mostrava os franceses contra a publicação das caricaturas, respondeu: “Vejo, nesses números, o medo.” Não o temos, todos
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Ferreira Fernandes

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