quarta-feira, maio 30, 2007

Dias maus

"Vivem-se dias tristes para a democracia portuguesa. Do autoritarismo socrático, praticamente já tudo foi dito. De solenes promessas quebradas por rotina ou pelo rolo compressor da realidade, estamos igualmente há muito conversados. Ontem, o dia foi mais uma vez exemplar dos motivos porque os portugueses confiam cada vez menos em quem os governa. É, simplesmente, porque nenhum deles o merece.

O dia rompeu com as declarações de Mário Lino, tão bombásticas como infelizes, sobre o deserto a sul do Tejo que não merece, por isso, a construção de um aeroporto. Um aeroporto que, diga-se, tem sido vendido precisamente como um elemento dinamizador da economia. Ou seja, mais sentido faria numa região sem grandes âncoras de crescimento do que numa região já desenvolvida.

Mas enfim. A inabilidade política do ministro das Obras Públicas rapidamente foi apagada pela voragem oportunista da oposição em cavalgar a onda. Nunca se viu Paulo Portas ou Jerónimo de Sousa tão ofendidos em nome de populações de que apenas se lembram no circo das campanhas eleitorais. Uma indignação demagógica e bacoca, disparada para as câmaras de televisão. Entre Portas e Jerónimo, só muda o aspecto dos figurantes, os inevitáveis ‘boys’ que lhes espreitam pelas costas. Atrás de Portas, um rapaz bem posto, de sorriso trocista, bem impressionado com a capacidade de representação do líder. Atrás de Jerónimo de Sousa, dois senhores de ar ameaçador – ai de quem discorde da opinião do chefe. Pior, só mesmo Almeida Santos, “reserva moral da Nação”, mais uma das muitas que por aí pululam, a desculpar Lino com a possibilidade de algum terrorista tresloucado “dinamitar” as duas pontes sobre o Tejo, isolando o país do mundo.

Igualmente exemplar do estado a que as coisas chegaram é que, no meio de todo este folclore, até Santana Lopes apareça como uma referência de bom senso. Se fosse primeiro ministro demitia Mário Lino? “Dizia-lhe que fizesse uma declaração pública a pedir desculpa. Até os políticos podem ter dias maus. Basta que o digam aos portugueses”, afirma em entrevista que hoje publicamos.

É verdade. O problema não é os políticos terem dias maus. É ser cada vez mais raro terem um dia bom. Talvez seja por isso que, como acrescenta o antigo primeiro ministro, “hoje há um critério de tolerância muito maior” em relação ao Governo. É que o povo liga a televisão e percebe que para mudar por mudar, mais vale aquilo que já temos. Santana Lopes contribuiu muito para este estado de espírito. Mas corremos cada vez mais o risco de, daqui a menos tempo que o desejável, vê-lo transformado, também ele, numa “reserva moral” de nova geração
."

Pedro Marques Pereira

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