quarta-feira, maio 30, 2007

SAUDADES DO FUTURO

"A ministra da Educação legitimou pelo silêncio a censura ao prof. Fernando Charrua. O ministro da Economia ofereceu empregos inexistentes aos ex-trabalhadores da Delphi. O ministro das Obras Públicas transplantou o deserto do Sara para Setúbal. Estes divertimentos, constatados numa única semana, suscitaram o regresso do já popular refrão "Se fosse no tempo de Santana"

A comparação é equívoca. Às quintas, o empolgado Santana pode chamar "nazi" e "estalinista" a Marques Mendes; às sextas, encolhe-se e pede desculpa. O Governo não pede nada, excepto, por omissão, uma infinita tolerância para com os seus dislates. O circo "santanista", que realmente não deixou saudades, nunca se subordinou à prepotência. Ao contrário do circo vigente.

Depois de meses a ouvir e a ler teses desconchavadas contra o aeroporto na Ota, é reconfortante verificar o surgimento de argumentos a favor. E argumentos imbatíveis. Que eu reparasse, a tendência surgiu no Expresso de 12/5, através de um texto no qual dois académicos idóneos (Jorge Gaspar e Manuel Porto) provavam que: 1) a Ota possui "excelentes acessibilidades terrestres, nacionais e internacionais"; 2) o aeroporto "na península de Setúbal iria acentuar a milenária tendência de localizar na margem sul as infra-estruturas de apoio à margem norte"; 3) o aeroporto na zona de Setúbal apenas serviria "um turismo de massas desqualificado".

A seguir, o ministro Mário Lino citou estudos do mencionado e idóneo académico Manuel Porto para demonstrar a existência de um deserto a sul de Lisboa, pelo que o aeroporto "jamais" (escrito não parece, mas é francês) se poderá situar no Poceirão ou em Rio Frio. Almeida Santos concordou e acrescentou a probabilidade de terroristas dinamitarem as pontes sobre o Tejo. Para Vital Moreira, só os sinistros interesses da Lusoponte sustentam a absurda ideia de um aeroporto na margem sul.

Juntando tudo, a escolha do Governo mostra-se, enfim, com cristalina transparência. Vejamos. Ao invés da Ota, que permite aos estrangeiros alcançarem o aeroporto por terra, chegar ao aeroporto da margem sul implica que venham de avião. E a aterragem de um avião obriga a que se construa um aeroporto. Uma estupidez. Pior: por força das infra-estruturas milenares (vide o estádio do Barreirense, erguido por volta de 63 a.C., ou os estaleiros da Lisnave, datados de 142 d.C.), o aeroporto atrairia turistas proletários, condenados a vaguear pelo deserto ou pelas infra-estruturas milenares (consoante o programa adquirido na agência de viagens). A prazo, a peregrinação e a miséria aliar-se-iam no fomento de instintos criminosos, e as massas desqualificadas inevitavelmente rebentariam com as pontes mais à mão. A Lusoponte, que explora as pontes e naturalmente as quer rebentadas, saltaria de júbilo.

Um júbilo evitável, se se optar pela Ota. Debatê-la, como agora sugere Cavaco Silva, é dar asas à irracionalidade dos seus opositores
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Alberto Gonçalves

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