COLECCIONAR LATAS
"Há quem tenha assistido à inauguração da colecção Berardo e quem tenha remoído a ausência de convite. Há quem se congratule com a inauguração da colecção e duvide do acordo estabelecido com o Estado. Há quem garanta que foi a colecção Berardo, e não a liberalização do aborto, a introduzir Portugal no século XXI. Há quem tema pela saída da colecção do país após uns anos. Há quem deteste o sr. Berardo ainda que lhe inveje o dinheiro e a colecção. Há quem louve o estilo do sr. Berardo, que despachou o dr. Mega Ferreira a pretexto do desprezo que este dedicou à colecção. Há quem seja amigo do dr. Mega Ferreira e defenda as suas virtudes independentemente do episódio da colecção. Apenas a colecção escapa impune às amizades, antipatias, preferências e inclinações. E de que colecção falamos, Santo Deus?
Em 1961, numa fase de presumível fertilidade digestiva, o italiano Piero Manzoni encheu 90 latas com fezes de sua lavra. Chamou a cada uma "Merda d'artista" e lançou-as no mercado, alegadamente a fim de provar a credulidade dos actuais compradores de arte. Prova feita: hoje, as latas estão nos principais museus de arte contemporânea, incluindo o Pompidou de Paris e o MoMA de Nova Iorque. A Tate, de Londres, pagou em 2000 cerca de 35 mil euros por um exemplar (numerado), e, no corrente mês, os seus responsáveis não esconderam relativa desilusão ao descobrir que, afinal, a "Merda d'artista" não passa de gesso.
Manzoni, um trafulha consciente, está representado na colecção Berardo, ignoro se através da obra pseudo-intestinal ou se das outras "vertentes", igualmente fraudulentas, do seu trabalho. De certeza que não destoa do resto. Salvo discutíveis, e "antigas", excepções (Chagall, Bacon, algum Picasso), as latinhas simbolizam adequadamente a essência da colecção e, em sentido amplo, das artes plásticas contemporâneas. Artes? O maior escritor inglês das últimas décadas ria-se "dos vigaristas e charlatães que as vendem e comentam, dos pobres atarantados que as produzem, e do tímido e sisudo establishment que receia ser considerado filisteu." E por isso reverencia o lixo. Ou o gesso.
Na quase totalidade dos casos, o que o vulgo designa por "arte moderna" é o processo pelo qual as pessoas de poucas letras se aproximam daquilo que tomam por "cultura". Ler é "difícil". Ouvir música, música a sério, implica habituação e gosto. Olhar pinturas e bugigangas nos museus, pelo contrário, não custa nada, sobretudo se as pinturas e bugigangas remetem para as referências "chocantes", superficiais e tontas que preenchem a infantilidade das "grelhas" televisivas, do cinema e do universo "pop" em geral.
Nas primeiras 24 horas, 23 500 apreciadores visitaram a exposição no CCB. Um deles, inquirido pela televisão, sentenciava: "Espero que 'aibram' mais destas." Hadem aibrir: só é preciso latas."
Alberto Gonçalves
Em 1961, numa fase de presumível fertilidade digestiva, o italiano Piero Manzoni encheu 90 latas com fezes de sua lavra. Chamou a cada uma "Merda d'artista" e lançou-as no mercado, alegadamente a fim de provar a credulidade dos actuais compradores de arte. Prova feita: hoje, as latas estão nos principais museus de arte contemporânea, incluindo o Pompidou de Paris e o MoMA de Nova Iorque. A Tate, de Londres, pagou em 2000 cerca de 35 mil euros por um exemplar (numerado), e, no corrente mês, os seus responsáveis não esconderam relativa desilusão ao descobrir que, afinal, a "Merda d'artista" não passa de gesso.
Manzoni, um trafulha consciente, está representado na colecção Berardo, ignoro se através da obra pseudo-intestinal ou se das outras "vertentes", igualmente fraudulentas, do seu trabalho. De certeza que não destoa do resto. Salvo discutíveis, e "antigas", excepções (Chagall, Bacon, algum Picasso), as latinhas simbolizam adequadamente a essência da colecção e, em sentido amplo, das artes plásticas contemporâneas. Artes? O maior escritor inglês das últimas décadas ria-se "dos vigaristas e charlatães que as vendem e comentam, dos pobres atarantados que as produzem, e do tímido e sisudo establishment que receia ser considerado filisteu." E por isso reverencia o lixo. Ou o gesso.
Na quase totalidade dos casos, o que o vulgo designa por "arte moderna" é o processo pelo qual as pessoas de poucas letras se aproximam daquilo que tomam por "cultura". Ler é "difícil". Ouvir música, música a sério, implica habituação e gosto. Olhar pinturas e bugigangas nos museus, pelo contrário, não custa nada, sobretudo se as pinturas e bugigangas remetem para as referências "chocantes", superficiais e tontas que preenchem a infantilidade das "grelhas" televisivas, do cinema e do universo "pop" em geral.
Nas primeiras 24 horas, 23 500 apreciadores visitaram a exposição no CCB. Um deles, inquirido pela televisão, sentenciava: "Espero que 'aibram' mais destas." Hadem aibrir: só é preciso latas."
Alberto Gonçalves
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