O ZÉ NÃO FAZ FALTA
"A literatura de Saramago é um aspecto altamente secundário da personagem. Ninguém, na posse das suas faculdades, está demasiado interessado nos romances, nas peças de teatro, nos poemas e, salvo pelo gozo perverso, nos diários. O que em Saramago provoca falatório são as teses levemente apocalípticas e desejavelmente "polémicas", que ele produz para remoer a derrota do comunismo e ser notícia. Regra geral, as teses vêm anexas aos livros: e se as pessoas deixassem de votar? E se deixassem de morrer? E se descobrissem que a tecnologia é nociva e o igualitarismo é a solução? E se os premiados com o Nobel não dissessem disparates?
A mais recente boutade, porém, chegou solta, numa entrevista ao DN de domingo. Curiosamente, não é demasiado disparatada. Curiosamente, causou mais barulho que todos os outros delírios juntos. Saramago profetizou a união de Portugal com Espanha e inúmeros patriotas ergueram a espada de D. Afonso e denunciaram a traição.
Calma, rapazes. Primeiro, mesmo não sendo exactamente um seu paladino, Saramago merece beneficiar da liberdade de expressão. Segundo, a experiência tem mostrado que nem tudo o que o homem diz se torna realidade. Terceiro, há coisas piores que a Ibéria: houve alturas em que o Nobel nos quis integrar, por consignação, na URSS; à época, muitos não desgostavam dessa ideia.
Eu não desgosto desta. O facto é que, descontado o "sentimento", não existe nenhuma razão premente para sermos portugueses. E se é verdade que não precisamos de um passaporte em castelhano para usufruir de Velázquez e Goya, de Cervantes e Buñuel, das "plazas" de Salamanca e Madrid e dos restaurantes da Catalunha, o passaporte é capaz de dar jeito para partilharmos o nível de vida assaz superior e evitarmos a alternativa patriótica, com as prósperas empresas deles cá e os nossos míseros operários lá.
Duas ressalvas à fusão: comparado com Zapatero, o eng. Sócrates assemelha-se a um primeiro-ministro decente; Saramago reside em território espanhol. Mas Zapatero não é eterno. E Saramago, embora no íntimo esteja convencidíssimo do contrário, também não."
Alberto Gonçalves
A mais recente boutade, porém, chegou solta, numa entrevista ao DN de domingo. Curiosamente, não é demasiado disparatada. Curiosamente, causou mais barulho que todos os outros delírios juntos. Saramago profetizou a união de Portugal com Espanha e inúmeros patriotas ergueram a espada de D. Afonso e denunciaram a traição.
Calma, rapazes. Primeiro, mesmo não sendo exactamente um seu paladino, Saramago merece beneficiar da liberdade de expressão. Segundo, a experiência tem mostrado que nem tudo o que o homem diz se torna realidade. Terceiro, há coisas piores que a Ibéria: houve alturas em que o Nobel nos quis integrar, por consignação, na URSS; à época, muitos não desgostavam dessa ideia.
Eu não desgosto desta. O facto é que, descontado o "sentimento", não existe nenhuma razão premente para sermos portugueses. E se é verdade que não precisamos de um passaporte em castelhano para usufruir de Velázquez e Goya, de Cervantes e Buñuel, das "plazas" de Salamanca e Madrid e dos restaurantes da Catalunha, o passaporte é capaz de dar jeito para partilharmos o nível de vida assaz superior e evitarmos a alternativa patriótica, com as prósperas empresas deles cá e os nossos míseros operários lá.
Duas ressalvas à fusão: comparado com Zapatero, o eng. Sócrates assemelha-se a um primeiro-ministro decente; Saramago reside em território espanhol. Mas Zapatero não é eterno. E Saramago, embora no íntimo esteja convencidíssimo do contrário, também não."
Alberto Gonçalves
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