sexta-feira, agosto 31, 2007

A propósito de um veto

"Foi muito sensata a decisão do Presidente da República de vetar a lei sobre o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, apesar de a mesma ter sido aprovada por unanimidade no Parlamento.

Ao classificar de sensata a decisão do Presidente, estou obviamente a classificar de insensata a decisão do Parlamento. Mas isto não significa que, por isso, considere os deputados insensatos. Julgo que o que se terá passado é um exemplo típico do que o psicólogo social Irving Janis, classificou, em 1972, de ‘groupthink’ e que poderemos traduzir por “decisão em grupo”.

Trata-se de um processo de discussão que pode ocorrer em grupos coesos (ou com um desígnio estratégico comum) e cujos membros refreiam as suas dissensões e o seu espírito crítico, em favor da unanimidade da decisão, sacrificando uma análise racional e realista das situações e conduzindo a decisões erradas ou irracionais, que, de outro modo, não seriam tomadas. Apimentando o conceito, é o que frequentemente acontece quando os membros de um grupo de decisão submetem as suas opiniões ao crivo do “politicamente correcto”, acabando por dizer apenas o que “parece bem dizer”. O exemplo habitualmente citado para ilustrar este conceito foi a decisão de J F Kennedy (com os seus conselheiros), em 1961, que conduziu à invasão da Baía dos Porcos em Cuba.

No caso da lei em apreço terá havido mesmo, no Plenário, algumas vozes discordantes do conteúdo da lei – argumentando no sentido em que o Presidente viria mais tarde a chamar os deputados à razão – mas isso não viria a obstar à sua aprovação por unanimidade. Aliás, no campo da decisão política e entre nós, não é difícil encontrar vários outros exemplos deste vício decisório. Lembremo-nos, por exemplo, da lei das incompatibilidades aprovada à pressa e a quente, num ambiente de elevada demagogia, em meados de 1995. Ou as decisões sobre a remuneração dos políticos e dirigentes da Administração Pública.

O veto à lei não exprime, na minha leitura, oposição às ideias que a enformam, mas apenas às prováveis consequências práticas da sua aplicação. E é precisamente aqui que a sensatez se revela. O grande problema destes grandes desígnios destinados a remediar o mundo – e foi isto que os críticos “liberais” não perceberam – é que as intenções são muito boas e louváveis, mas depois, a sua aplicação tende a ser dominada por consequências indesejadas, acabando, não só por não atingir o objectivo que se propõem, como por sacrificar outros valores que eram dados como certos.

Neste caso, o objectivo seria o de corrigir eventuais prepotências do Estado, ou arbitrariedades fundadas na corrupção, ressarcindo financeiramente os lesados e reclamando esse ressarcimento dos autores individuais das decisões. O objectivo é muito bem intencionado, mas os resultados mais prováveis são que: a) em qualquer decisão de vulto, passa a valer a pena, num jogo de probabilidades, litigar contra o Estado, na esperança de que as decisões judiciais tropecem na complexidade dos processos em apreço e decidam em favor do queixoso (o valor esperado da litigância é positivo), multiplicando a litigância judicial; b) os dirigentes do Estado (políticos incluídos) passem a decidir enviesadamente em favor dos interesses particulares e em detrimento do interesse público, para se precaverem do risco de virem a ser demandados pessoalmente pela decisão (tendo em conta o risco anteriormente referido); c) em face dos riscos financeiros que terão que enfrentar (e das remunerações que auferem), só será possível recrutar dirigentes para o Estado entre os ingénuos e os irresponsáveis.

É verdade que, no caso da responsabilidade pessoal a lei prevê que a actuação seja dolosa. Mas, como o exemplo de Leonor Beleza bem demonstrou, o dolo é fácil de invocar e demorado, e muito custoso, de refutar. E a desproporção de meios ao dispor dos inocentes é abissal.

E foi para esse grave risco que o Presidente chamou a atenção, apelando ao bom senso na revisão da lei, por forma a evitar os inconvenientes do ‘groupthink’ e conseguir uma versão mais sensata
."

Vítor Bento

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O exemplo é um contrasenso e dá razão aos deputados e tira a razão ao PR.
Não houve dolo?
Ou o que aconteceu foi a habitual dormência dos tribunais em relação a certa gente e a rapidez aos pouco protegidos e sem grupo?
A justiça serve para proteger os amigos e condenar os inimigos.
Ora...

sexta-feira, agosto 31, 2007  

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