"Supercapitalism"
"A ideia de ‘supercapitalism’ e de dissociação entre estruturas de mercado e liberdades dos cidadãos justifica algumas reflexões.
Vamos entrar em 2008 sob o signo de uma forma nova de ‘supercapitalism’, a cujas mutações próximas importa estar atento. Num recente livro, que apresenta exactamente esse título (“Supercapitalism”), Robert Reich, ex-secretário do emprego do presidente Clinton, analisa evoluções recentes das estruturas de mercado num quadro de globalização dos serviços financeiros. Frisa, a esse propósito, nesse contexto de “globalização”, uma crescente dissociação entre as estruturas de mercado e as estruturas políticas democráticas; dissociação que desponta contrariamente a convicções clássicas, adquiridas em tempos menos instáveis, quanto a um enlace necessário entre capitalismo e democracia. Salienta igualmente que existirá algo de enganador ao pretender associar-se a salvaguarda das estruturas de mercado – numa espiral de liberalização continuada do seu funcionamento - e os direitos fundamentais dos cidadãos. Como enfatiza simbolicamente Reich - relativizando a ideia em voga de responsabilidade social das empresas – “companies are not citizens”. Representam um instrumento económico criador, até hoje insubstituível, mas o reforço continuado de uma ideia de “livre” jogo de mercado, por seu intermédio, não deve ser confundido com um necessário aprofundamento das liberdades dos cidadãos.
Independentemente de alguns aspectos que nos merecem reservas na tese central de Robert Reich, este ‘leitmotif’ de ‘supercapitalism’ e de possível dissociação entre estruturas de mercado e estruturas políticas democráticas e liberdades dos cidadãos pode merecer outras reflexões. Pensamos aqui numa algo insólita mutação das estruturas de mercado e das forças que têm presidido à sua liberalização continuada nos dois últimos decénios. Essas forças de liberalização tomaram corpo nas economias mais desenvolvidas e, a partir daí, nos Estados em transição económica, através de processos de intensa privatização dos sectores empresariais públicos e de alteração dos padrões de regulação pública da economia. Contudo, e algo contraditoriamente, essas forças abriram um espaço aparentemente ilimitado para um fenómeno novo de aquisições agressivas por parte de fundos de investimento estaduais – os denominados ‘sovereign wealth funds’ – ou de conglomerados empresariais públicos ligados a determinados Estados, que lhes permitem, na sua origem e base local, condições de actuação menos transparentes (ou padrões de regulação menos exigentes do que aqueles que prevalecem noutros Estados ou em certas áreas de integração económica, como a UE). Dir-se-á que é a liberdade de mercado levada à sua máxima expressão. Ousaremos, pela nossa parte, dizer que é um fenómeno que, no mínimo, merece reflexão. Os exemplos concretos recentes multiplicam-se: desde a ‘joint venture’ anunciada na semana passada entre a Dow Chemical e a Kuwait Petroleum Company, no quadro da qual a área de negócio dos plásticos do primeiro grupo empresarial ficará sujeita a controlo partilhado com este grupo público Koweitiano, passando por outras operações envolvendo investidores públicos do médio oriente; se nos limitarmos aos últimos meses, importará registar as aquisições realizadas por estes investidores públicos em grupos como o Citigroup ou a UBS ou ainda na venda, também realizada em 2007, da área de negócio dos plásticos da General Electric ao grupo petroquímico da Arábia Saudita (Sabic). O fenómeno não se limita aos fundos soberanos dos Estados do médio oriente – com todas as interrogações económicas e geo-políticas que tal pode suscitar. Pense-se nas operações, realizadas ou planeadas, pelo grupo público russo Gazprom em relação a grupos empresariais norte-americanos ou europeus. Mais perto de nós, em vários sentidos, pense-se no facto de o Grupo Sonangol se ter aparentemente convertido num interveniente relevante para as novas definições estratégicas e de governo empresarial no grupo BCP.
Não está em causa um recuo estrutural nos processos de liberalização económica; nem qualquer visão crítica apriorística. Trata-se - pensamos nós - de não ter a falsa ingenuidade de pensar que o livre jogo do mercado é impermeável a distorções ou até a certas perversões. Neste, como noutros domínios, os dogmas ou as “ideias feitas” nunca conduziram a bons resultados e justificar-se-á, regressando à filosofia onde tudo começa, ter presente a palavra que Spinoza escolheu para seu epitáfio (‘caute’ – cautela)."
Luís Silva Morais
Vamos entrar em 2008 sob o signo de uma forma nova de ‘supercapitalism’, a cujas mutações próximas importa estar atento. Num recente livro, que apresenta exactamente esse título (“Supercapitalism”), Robert Reich, ex-secretário do emprego do presidente Clinton, analisa evoluções recentes das estruturas de mercado num quadro de globalização dos serviços financeiros. Frisa, a esse propósito, nesse contexto de “globalização”, uma crescente dissociação entre as estruturas de mercado e as estruturas políticas democráticas; dissociação que desponta contrariamente a convicções clássicas, adquiridas em tempos menos instáveis, quanto a um enlace necessário entre capitalismo e democracia. Salienta igualmente que existirá algo de enganador ao pretender associar-se a salvaguarda das estruturas de mercado – numa espiral de liberalização continuada do seu funcionamento - e os direitos fundamentais dos cidadãos. Como enfatiza simbolicamente Reich - relativizando a ideia em voga de responsabilidade social das empresas – “companies are not citizens”. Representam um instrumento económico criador, até hoje insubstituível, mas o reforço continuado de uma ideia de “livre” jogo de mercado, por seu intermédio, não deve ser confundido com um necessário aprofundamento das liberdades dos cidadãos.
Independentemente de alguns aspectos que nos merecem reservas na tese central de Robert Reich, este ‘leitmotif’ de ‘supercapitalism’ e de possível dissociação entre estruturas de mercado e estruturas políticas democráticas e liberdades dos cidadãos pode merecer outras reflexões. Pensamos aqui numa algo insólita mutação das estruturas de mercado e das forças que têm presidido à sua liberalização continuada nos dois últimos decénios. Essas forças de liberalização tomaram corpo nas economias mais desenvolvidas e, a partir daí, nos Estados em transição económica, através de processos de intensa privatização dos sectores empresariais públicos e de alteração dos padrões de regulação pública da economia. Contudo, e algo contraditoriamente, essas forças abriram um espaço aparentemente ilimitado para um fenómeno novo de aquisições agressivas por parte de fundos de investimento estaduais – os denominados ‘sovereign wealth funds’ – ou de conglomerados empresariais públicos ligados a determinados Estados, que lhes permitem, na sua origem e base local, condições de actuação menos transparentes (ou padrões de regulação menos exigentes do que aqueles que prevalecem noutros Estados ou em certas áreas de integração económica, como a UE). Dir-se-á que é a liberdade de mercado levada à sua máxima expressão. Ousaremos, pela nossa parte, dizer que é um fenómeno que, no mínimo, merece reflexão. Os exemplos concretos recentes multiplicam-se: desde a ‘joint venture’ anunciada na semana passada entre a Dow Chemical e a Kuwait Petroleum Company, no quadro da qual a área de negócio dos plásticos do primeiro grupo empresarial ficará sujeita a controlo partilhado com este grupo público Koweitiano, passando por outras operações envolvendo investidores públicos do médio oriente; se nos limitarmos aos últimos meses, importará registar as aquisições realizadas por estes investidores públicos em grupos como o Citigroup ou a UBS ou ainda na venda, também realizada em 2007, da área de negócio dos plásticos da General Electric ao grupo petroquímico da Arábia Saudita (Sabic). O fenómeno não se limita aos fundos soberanos dos Estados do médio oriente – com todas as interrogações económicas e geo-políticas que tal pode suscitar. Pense-se nas operações, realizadas ou planeadas, pelo grupo público russo Gazprom em relação a grupos empresariais norte-americanos ou europeus. Mais perto de nós, em vários sentidos, pense-se no facto de o Grupo Sonangol se ter aparentemente convertido num interveniente relevante para as novas definições estratégicas e de governo empresarial no grupo BCP.
Não está em causa um recuo estrutural nos processos de liberalização económica; nem qualquer visão crítica apriorística. Trata-se - pensamos nós - de não ter a falsa ingenuidade de pensar que o livre jogo do mercado é impermeável a distorções ou até a certas perversões. Neste, como noutros domínios, os dogmas ou as “ideias feitas” nunca conduziram a bons resultados e justificar-se-á, regressando à filosofia onde tudo começa, ter presente a palavra que Spinoza escolheu para seu epitáfio (‘caute’ – cautela)."
Luís Silva Morais
1 Comments:
Resta saber se este capitalismo é "super"ou é um simples retorno à "selva".Enquanto os poderes politicos,em nome do "laisser faire" ,abdicarem de intervenções com cariz ideológico,ganharão os mais fortes( e não necessáriamente os melhores) perderão os mais fracos,cada vez mais depressa...
Enviar um comentário
<< Home