A legitimidade do poder
"A estratégia da França é tornar-se no centro de um conjunto de coligações que permita reforçar a sua liderança europeia.
Nos últimos meses têm ocorrido alguns acontecimentos que demonstram uma alteração nas relações entre os maiores países da União Europeia. Paris e Berlim têm divergido em questões importantes como o Euro, a energia atómica e as relações com os países do Mediterrâneo. Nota-se uma aproximação entre Paris e Londres, em questões de segurança e defesa, na relação transatlântica e na energia atómica. Dando alguma cor a esta “entente” muito cordial, o anterior primeiro-ministro Blair discursou no Congresso do UMP, a convite do Presidente Sarkozy. Demonstrando a energia do líder francês, Paris promoveu ainda encontros com Itália e Espanha para preparar uma União com os países da margem sul do Mediterrâneo. Mais significativo, o “22 de Janeiro”, data em que se celebra o Tratado do Eliseu entre a Alemanha e França, foi comemorado ao nível de Secretários-de-Estado, o que é, reconheça-se, bastante raro.
Convém entender devidamente o significado de tudo isto. Para evitar conclusões precipitadas, limito-me a dizer que o “eixo franco-alemão” está diferente. Uma das regras de ouro que sustentava, até ao final do século passado, a relação entre a Alemanha e a França era a paridade absoluta no sistema de votação. Essa igualdade desapareceu, timidamente com o Tratado de Nice e agora de um modo mais afirmativo. Os sucessivos governos alemães prosseguiram uma política europeia eficaz e brilhante desde a reunificação. O governo de então estabeleceu quatro objectivos estratégicos, os quais foram todos alcançados: versão alemã do Euro, o ‘grande’ e não o ‘pequeno’ alargamento, reforço dos poderes do Parlamento Europeu e fim da paridade com os outros ‘grandes’. E a França, na altura, opunha-se a todos. Mitterrand desejou uma versão ‘mais política’ do Euro (não é uma invenção do actual Presidente francês), preferia o ‘pequeno’ ao ‘grande’ alargamento, recusou o fim da paridade e era indiferente em relação ao reforço do Parlamento.
A Alemanha conseguiu tudo, sem nada impor, à excepção da sua versão do Euro, onde os governos alemães (incluindo o do SPD/Verdes) foram sempre muito firmes. O resto foi alcançado através da linguagem da legitimidade política: O “grande” alargamento foi uma questão de “justiça histórica”; o reforço dos poderes do Parlamento e o fim da paridade foram feitos em nome da “democracia”. Aqui está um bom exemplo do verdadeiro ‘soft power’: reforçar o poder em nome dos valores. Não há nada a acusar à Alemanha: definiu uma estratégia que promove os seus valores e cumpriu-a sem vacilar.
O que já é mais difícil de entender é a relativa passividade da França e do Reino Unido. Os discursos da legitimidade, tão bem construídos pela Alemanha, tornariam em qualquer caso a tarefa complicada, mas a surpresa persiste. Apesar de tudo, franceses e britânicos têm uma tradição política, estratégica e diplomática com peso e passado. Especialmente, é quase incompreensível a maneira como o Presidente Chirac e o primeiro-ministro Blair aceitaram o fim da paridade, primeiro em Nice e depois durante a Convenção.
A passividade dos franceses está, contudo, a acabar. Sem colocar em causa a relação especial com a Alemanha, que nasceu de uma reconciliação histórica, que foi e é decisiva para a construção europeia, o activismo francês começa a mudar a política europeia. A estratégia da França é tornar-se no centro de um conjunto de coligações que permita reforçar a sua liderança europeia. A aproximação a Londres, as parcerias com Itália e Espanha para as questões do sul, a sedução aos novos Estados-membros, em particular à Polónia, e a disposição para trabalhar de um modo muito próximo e activo com a Comissão. A próxima Presidência francesa será certamente um período clarificador. Uma coisa é certa: para ser legítima, a estratégia francesa não poderá ignorar os interesses dos países mais pequenos e terá que envolver as instituições. Quem fizer política na Europa a partir de oposições simplistas, entre governos e instituições, ou entre grandes e pequenos, está condenado ao fracasso. Foi isto que a Alemanha percebeu, principalmente os governos de Kohl e Merkel."
João Marques de Almeida
Nos últimos meses têm ocorrido alguns acontecimentos que demonstram uma alteração nas relações entre os maiores países da União Europeia. Paris e Berlim têm divergido em questões importantes como o Euro, a energia atómica e as relações com os países do Mediterrâneo. Nota-se uma aproximação entre Paris e Londres, em questões de segurança e defesa, na relação transatlântica e na energia atómica. Dando alguma cor a esta “entente” muito cordial, o anterior primeiro-ministro Blair discursou no Congresso do UMP, a convite do Presidente Sarkozy. Demonstrando a energia do líder francês, Paris promoveu ainda encontros com Itália e Espanha para preparar uma União com os países da margem sul do Mediterrâneo. Mais significativo, o “22 de Janeiro”, data em que se celebra o Tratado do Eliseu entre a Alemanha e França, foi comemorado ao nível de Secretários-de-Estado, o que é, reconheça-se, bastante raro.
Convém entender devidamente o significado de tudo isto. Para evitar conclusões precipitadas, limito-me a dizer que o “eixo franco-alemão” está diferente. Uma das regras de ouro que sustentava, até ao final do século passado, a relação entre a Alemanha e a França era a paridade absoluta no sistema de votação. Essa igualdade desapareceu, timidamente com o Tratado de Nice e agora de um modo mais afirmativo. Os sucessivos governos alemães prosseguiram uma política europeia eficaz e brilhante desde a reunificação. O governo de então estabeleceu quatro objectivos estratégicos, os quais foram todos alcançados: versão alemã do Euro, o ‘grande’ e não o ‘pequeno’ alargamento, reforço dos poderes do Parlamento Europeu e fim da paridade com os outros ‘grandes’. E a França, na altura, opunha-se a todos. Mitterrand desejou uma versão ‘mais política’ do Euro (não é uma invenção do actual Presidente francês), preferia o ‘pequeno’ ao ‘grande’ alargamento, recusou o fim da paridade e era indiferente em relação ao reforço do Parlamento.
A Alemanha conseguiu tudo, sem nada impor, à excepção da sua versão do Euro, onde os governos alemães (incluindo o do SPD/Verdes) foram sempre muito firmes. O resto foi alcançado através da linguagem da legitimidade política: O “grande” alargamento foi uma questão de “justiça histórica”; o reforço dos poderes do Parlamento e o fim da paridade foram feitos em nome da “democracia”. Aqui está um bom exemplo do verdadeiro ‘soft power’: reforçar o poder em nome dos valores. Não há nada a acusar à Alemanha: definiu uma estratégia que promove os seus valores e cumpriu-a sem vacilar.
O que já é mais difícil de entender é a relativa passividade da França e do Reino Unido. Os discursos da legitimidade, tão bem construídos pela Alemanha, tornariam em qualquer caso a tarefa complicada, mas a surpresa persiste. Apesar de tudo, franceses e britânicos têm uma tradição política, estratégica e diplomática com peso e passado. Especialmente, é quase incompreensível a maneira como o Presidente Chirac e o primeiro-ministro Blair aceitaram o fim da paridade, primeiro em Nice e depois durante a Convenção.
A passividade dos franceses está, contudo, a acabar. Sem colocar em causa a relação especial com a Alemanha, que nasceu de uma reconciliação histórica, que foi e é decisiva para a construção europeia, o activismo francês começa a mudar a política europeia. A estratégia da França é tornar-se no centro de um conjunto de coligações que permita reforçar a sua liderança europeia. A aproximação a Londres, as parcerias com Itália e Espanha para as questões do sul, a sedução aos novos Estados-membros, em particular à Polónia, e a disposição para trabalhar de um modo muito próximo e activo com a Comissão. A próxima Presidência francesa será certamente um período clarificador. Uma coisa é certa: para ser legítima, a estratégia francesa não poderá ignorar os interesses dos países mais pequenos e terá que envolver as instituições. Quem fizer política na Europa a partir de oposições simplistas, entre governos e instituições, ou entre grandes e pequenos, está condenado ao fracasso. Foi isto que a Alemanha percebeu, principalmente os governos de Kohl e Merkel."
João Marques de Almeida
1 Comments:
Se a Europa existe é porque a Alemanha existe.
A França com este presidente não é um europeu é mais um agente dos americanos, junto com o porta aviões inglês.
A questão aqui é saber se se quer ser Europa sem subserviência aos EUA. Subserviência não é ser aliado.
Os amigos de Peniche, os nossos os ingleses são disso exemplo.
Falta saber se na crise subprime o sr Trichet serve a Europa ou se serve o Fed, parece-me que serve o Fed.
Euro alto e a questão da inflação que irá subir atendendo ao aumento do preço dios produtos essenciais culpa da política proteccionista do outro lado do Atlântico aos cereais na exportação, não cumprindo os tratados internacionais mas exigindo aos bons alunos que os cumpram e por outro lado, através do abandono da agricultura nesta Europa.
O problema é que estamos infiltrados por políticos que se são traidores à sua pátria o são ainda mais à Europa.
Está fora de moda o ser leal?
Enviar um comentário
<< Home