O défice esquecido – parte II
"A taxa de poupança, que até 1998 andou em linha com a média europeia, reduziu-se até representar hoje apenas 60% dessa média.
No meu último artigo (O Défice Esquecido) chamei a atenção para a dimensão do nosso défice externo – o maior de sempre, em tempo de duração e em montante acumulado. E alertei para que, apesar de a sua importância ser menos perceptível em contexto de união monetária, não poderia deixar de ter sérias consequências.
Em complemento e tendo em conta os riscos que então apontei, gostaria de lembrar duas coisas. A primeira é que, apesar do crescimento do PIB nos últimos três anos – 0.5% (2005), 1.3% (2006) e 1.8% (2007, est.) –, o crescimento do PNB, no mesmo período, tem sido quase inexistente – 0.0%, 0.1% e 0.9%. E este, como então referi, é que é o relevante para o bem-estar dos portugueses. A diferença entre os dois está, simplificadamente, nos lucros e juros pagos ao estrangeiro pelo financiamento dos défices. A segunda é que a taxa de desemprego portuguesa já é – pela primeira vez desde 1980 – superior á média europeia (que já é alta).
O défice externo é o reflexo de um desequilíbrio entre o investimento e a poupança. A taxa de poupança, que até 1998 andou em linha com a média europeia, reduziu-se até representar hoje apenas 60% dessa média. Essa degradação ocorreu em paralelo (como seria de esperar) com o explosivo acréscimo do endividamento das famílias e com a acumulação de défices públicos (visíveis e ocultos).
Por outro lado, Portugal não tem tido um problema quantitativo de investimento, mas tem tido um problema qualitativo. No período em apreço – 1999 a 2007 – Portugal investiu muito: 24.5% do PIB, em média, contra os 20.3% registados pelo conjunto dos 15 países usados como referência europeia (UE15). No entanto, foi também o país europeu que apresentou a mais baixa eficiência marginal do capital (variação do produto por unidade investida), e aquele em que a produtividade média deste factor mais desceu, perdendo 13 pontos face à média europeia.
Ou seja, apesar de ter investido muito, Portugal investiu mal, não tendo conseguido criar a capacidade produtiva que seria de esperar para o volume de recursos investidos.
Face a estes resultados, não é possível deixar de recordar empreendimentos como a Expo-98 e o Euro 2004, muitos investimentos públicos – directos ou indirectos – de discutível utilidade, ou mesmo a profusão de segundas habitações. Empreendimentos como aqueles consomem muitos recursos, geram um fogacho de eufórica procura – em grande parte canalizada para importações – com transitório efeito no PIB, mas criam muito pouca capacidade produtiva duradoura. Por isso, se investiu muito, mas se cresceu pouco.
Em contraste, a Estónia e a Letónia – os dois países da UE com défices externos superiores ao português – apresentando taxas de investimento ainda maiores que a nossa, apresentam também das mais elevadas eficiências marginais do capital (4 vezes a portuguesa!) e registaram, em consequência, as mais elevadas taxas de crescimento económico (na ordem dos 9%).
Por tudo isso, não posso deixar de ver com muita preocupação a fé que alguns colocam na capacidade redentora do investimento público e nos grandiosos projectos que estão em preparação. Se estes não forem convincentemente fundamentados, receio que o quadro descrito se continue a agravar e a economia se continue a afundar, levando a uma possível crise social. Pela minha parte ainda não consegui perceber a justificação económica do TGV e, no caso do aeroporto, gostaria, pelo menos, de ver mais moderação na factura prevista.
Fonte utilizada: Ameco (Eurostat)"
Vítor Bento
No meu último artigo (O Défice Esquecido) chamei a atenção para a dimensão do nosso défice externo – o maior de sempre, em tempo de duração e em montante acumulado. E alertei para que, apesar de a sua importância ser menos perceptível em contexto de união monetária, não poderia deixar de ter sérias consequências.
Em complemento e tendo em conta os riscos que então apontei, gostaria de lembrar duas coisas. A primeira é que, apesar do crescimento do PIB nos últimos três anos – 0.5% (2005), 1.3% (2006) e 1.8% (2007, est.) –, o crescimento do PNB, no mesmo período, tem sido quase inexistente – 0.0%, 0.1% e 0.9%. E este, como então referi, é que é o relevante para o bem-estar dos portugueses. A diferença entre os dois está, simplificadamente, nos lucros e juros pagos ao estrangeiro pelo financiamento dos défices. A segunda é que a taxa de desemprego portuguesa já é – pela primeira vez desde 1980 – superior á média europeia (que já é alta).
O défice externo é o reflexo de um desequilíbrio entre o investimento e a poupança. A taxa de poupança, que até 1998 andou em linha com a média europeia, reduziu-se até representar hoje apenas 60% dessa média. Essa degradação ocorreu em paralelo (como seria de esperar) com o explosivo acréscimo do endividamento das famílias e com a acumulação de défices públicos (visíveis e ocultos).
Por outro lado, Portugal não tem tido um problema quantitativo de investimento, mas tem tido um problema qualitativo. No período em apreço – 1999 a 2007 – Portugal investiu muito: 24.5% do PIB, em média, contra os 20.3% registados pelo conjunto dos 15 países usados como referência europeia (UE15). No entanto, foi também o país europeu que apresentou a mais baixa eficiência marginal do capital (variação do produto por unidade investida), e aquele em que a produtividade média deste factor mais desceu, perdendo 13 pontos face à média europeia.
Ou seja, apesar de ter investido muito, Portugal investiu mal, não tendo conseguido criar a capacidade produtiva que seria de esperar para o volume de recursos investidos.
Face a estes resultados, não é possível deixar de recordar empreendimentos como a Expo-98 e o Euro 2004, muitos investimentos públicos – directos ou indirectos – de discutível utilidade, ou mesmo a profusão de segundas habitações. Empreendimentos como aqueles consomem muitos recursos, geram um fogacho de eufórica procura – em grande parte canalizada para importações – com transitório efeito no PIB, mas criam muito pouca capacidade produtiva duradoura. Por isso, se investiu muito, mas se cresceu pouco.
Em contraste, a Estónia e a Letónia – os dois países da UE com défices externos superiores ao português – apresentando taxas de investimento ainda maiores que a nossa, apresentam também das mais elevadas eficiências marginais do capital (4 vezes a portuguesa!) e registaram, em consequência, as mais elevadas taxas de crescimento económico (na ordem dos 9%).
Por tudo isso, não posso deixar de ver com muita preocupação a fé que alguns colocam na capacidade redentora do investimento público e nos grandiosos projectos que estão em preparação. Se estes não forem convincentemente fundamentados, receio que o quadro descrito se continue a agravar e a economia se continue a afundar, levando a uma possível crise social. Pela minha parte ainda não consegui perceber a justificação económica do TGV e, no caso do aeroporto, gostaria, pelo menos, de ver mais moderação na factura prevista.
Fonte utilizada: Ameco (Eurostat)"
Vítor Bento
2 Comments:
Só faltou a "coragem" para escrever que este modelo(?) económico vai inevitávelmente conduzir a maior pobreza e crescente marginalização do país na produção mundial.Um conselho :guarde o artigo para publicar nas próximas eleições e tentar evitar que os portugueses lá vão, arrebanhados, a votar nos do costume..
Vejamos as coisas do ponto de vista micro económico: Investir em quê? Gastar dinheiro num curso que depois não me serve para nada porque não há empresas a procurar os meus serviços, deixando-me uma prestação mensal adicional por pagar? Montar uma empresa? Assumir riscos, ter de pagar impostos em barda antes de cobrar dinheiro e levar com calotes? Poupar para quê? O Estado encarrega-se de tributar violentamente o fruto de qualquer poupança de forma a guarantir que depois da inflação e impostos que não param de subir ainda se ficou pior. Obviamente que só um idiota é que não escolheria consumir de imediato. Até o Banco de Portugal vendou ouro a 500 USD por onça e passou a "investir" em carros de luxo!
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