terça-feira, fevereiro 26, 2008

Conversa em família

"Marcello Caetano, quando presidente do Conselho, tinha direito a tempo de antena para as suas Conversas em Família. Serões televisivos (e radiofónicos) que aproveitava para explicar ao povo as políticas do seu Governo, desde as opções mais comezinhas às questões de Estado. Mas também para desfazer equívocos do que considerava desinformação ou boataria (sobretudo, óbvio, do que chegava pela não censurada imprensa estrangeira).

O convite partiu do então homem forte da RTP, Ramiro Valadão, e Marcello Caetano, com dotes de comunicador associados à sua inquestionável mestria enquanto professor catedrático de Direito, não se fez rogado. «Nem sempre as circunstâncias proporcionam ao chefe do Governo oportunidade para, num discurso, esclarecer o seu pensamento ou elucidar o público sobre problemas correntes ou objectivos a atingir. Mas os actuais meios de comunicação permitem conversar directamente com as pessoas, sem formalismos, sem solenidades, sempre que seja julgado oportuno ou necessário», Marcello Caetano dixit, no primeiro dos seus programas.

José Sócrates, por ocasião da passagem do terceiro aniversário sobre as eleições que lhe concederam, e ao PS, a primeira maioria absoluta, seguiu a ‘lição’ de Caetano. Desta vez, ao contrário do ano passado (na altura, a RTP foi a eleita), escolheu a SIC.

O modelo foi o de uma entrevista, mas o resultado foi, objectivamente, o de uma ‘conversa em família’.

Não chegou a uma hora, mas foi o suficiente para o primeiro-ministro e secretário-geral do PS explanar tudo o que queria sobre os temas mais polémicos do seu Governo.
A conversa de Sócrates foi serena e familiar. Mas nem por isso pode concluir-se como convincente. Como Caetano.

Quando a realidade é o que é – exemplo máximo, o do desemprego – bem podem as estatísticas permitir todas as leituras e explicações que ela não muda. Como reagirá quem, desempregado, ouve o primeiro-ministro, com voz cândida, propalar aos sete ventos que já criou não sei quantos milhares de empregos e que vai cumprir a promessa de criar mais outros tantos até ao final da legislatura?

Na sua última ‘conversa’, em 28 de Março de 1974, Marcello Caetano dizia: «Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio de Governo, fazendo exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado e os actos que tenha cometido, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir rectamente o meu dever para com o país, que o mesmo é dizer, para com o povo português». Um mês depois, estava no exílio.

A propaganda vale o que vale. Só convence quem quer ou se deixa ser convencido
."

Publicado por MRamires

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