terça-feira, fevereiro 26, 2008

Desassossego inútil

"A realidade a que isto chegou não se muda com desassossegos. A realidade é tão negra que é preciso cortar o mal pela raiz. O sítio anda agitado e a discussão sobre o seu estado começa a dominar a pobre agenda política. Como é óbvio, ninguém se entende. A SEDES, uma organização antiga, nascida ainda no tempo da velha senhora, atirou umas fortes pedradas aos poderes instituídos e provocou, naturalmente, azia em muitos estômagos lusos.

Ao afirmar que “sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão social” pôs-se a jeito para levar uma enorme sova do senhor presidente do Conselho, José Sócrates, que descobriu a existência no sítio de profetas da desgraça e até acha que os indígenas começam a ficar fartos do pessimismo profissional.

Tentando pôr alguma água na fervura, o senhor Presidente da República, cooperador estratégico do Governo socialista, mandou os cidadãos trabalhar em vez de andarem angustiados com essa coisa da política e dos políticos. Enquanto Suas Excelências se entretêm nestes jogos florais, o povo vai fazendo pela vidinha e nos intervalos assiste a espectáculos verdadeiramente deprimentes protagonizados por quem supostamente os governa, no poder ou na oposição. Ficou a saber que o Tribunal Constitucional multou a Somague, uma das maiores empresas de construção civil do regime, em 600 mil euros por financiamento ilegal ao PSD. Ficou a saber que as obras públicas, encomendadas pelo Estado e executadas pelas empresas de construção civil do regime, custam, em média, mais de cem por cento do que o previsto sem que ninguém vá preso ou se tente saber para onde foi esse dinheiro pago a mais. Ficou a saber que o BCP, o maior banco privado do sítio, gastou 80 milhões no pagamento de reformas e rescisões a sete administradores que provocaram uma perda de valor do banco superior a 400 milhões de euros e tomou conhecimento de que ninguém vai preso ou é seriamente incomodado por tais factos.

A realidade neste sítio cada vez mais perigoso, cada vez mais pobre, cada vez mais hipócrita e obviamente cada vez mais mal frequentado ultrapassa em muitos aspectos e em muitas áreas qualquer boa obra de ficção. A realidade já não se altera com uma discussão entre profetas da desgraça, pessimistas profissionais, corruptos encartados, políticos deslumbrados e alucinados com o poder, jornalistas comprometidos com o poder e a oposição e varredores exímios na arte de atirar o lixo para debaixo dos tapetes.

A realidade já não se muda com desassossegos intelectuais mais ou menos brilhantes. A realidade a que isto chegou é tão negra que é preciso cortar definitivamente o mal pela raiz
."

António Ribeiro Ferreira

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ou o ARF anda a ler os artigos da Toupeira ou o contrário.

terça-feira, fevereiro 26, 2008  

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