Sim, nós podemos!
"Se o século XX foi o século dos governos e das empresas, o século XXI será o século da sociedade civil.
No início da década de 1980, Pierre Rosanvallon anunciava, em França, aquilo que os economistas já tinham começado a prever – a crise do Estado-Providência. Essa crise era, antes de mais, crise financeira do Estado, pois a transição demográfica associada ao aumento da esperança de vida e à acrescida extensão e generalização dos direitos sociais (por exemplo, subsídios de desemprego e doença e pensões de reforma), exigia uma proporção crescente de despesas públicas nas funções sociais e, com ela, a necessidade de níveis crescentes de impostos e de contribuições para a segurança social dificilmente sustentáveis.
Para além do anúncio da crise, Pierre Rosanvallon tornava claro que se devia evitar a falácia de se considerar que as alternativas eram apenas mais Estado ou mais mercado. O reforço do puro estatismo levaria garantidamente a uma insolvência a prazo; por seu lado, o caminho da privatização das funções passíveis de serem privatizáveis (saúde e pensões de reforma, por exemplo) poderia significar a regressão dos objectivos redistributivos e de justiça social subjacentes à própria noção de Estado-Providência. O caminho passaria então por um reforço da sociedade civil: por um renascimento das solidariedades pessoais, pela participação de cada cidadão e pela assumpção por parte do terceiro sector de algumas das funções Estado.
Nas sociedades europeias actuais, praticamente resolvido o problema da paz, assumem uma crescente importância a qualidade de vida e a coesão social. Porém, geralmente as administrações públicas estão mal preparadas, não por falta de interesse mas pela sua própria natureza, para a actividade de melhorar a qualidade de vida ou ajudar as pessoas em situação de exclusão social. E, no curto prazo, pouco será de esperar das empresas. Qual foi a variável que ficou de fora? A sociedade civil, claro.
Também para Anthony Giddens, o futuro da democracia depende do fomento de uma profunda cultura cívica. E nem os mercados nem uma pluralidade de grupos de interesse especiais podem produzir essa cultura. Aliás, “temos de deixar de pensar que a sociedade é composta apenas por dois sectores: o Estado e o mercado, ou o sector público e o sector privado. Entre estes dois encontra-se a área da sociedade civil, que inclui os cidadãos, a família e as instituições do terceiro sector.”
Se o século XX foi o século dos governos e das empresas, o século XXI será o século da sociedade civil. Sobretudo na “Europa dos cidadãos”, na Europa que se transformou de Comunidade Económica Europeia (CEE) em União Europeia (UE), para se redireccionar de uma realidade económica para uma realidade social.
Ontem, no jornal Público, Vital Moreira alertou para a necessidade da modernização do sistema político não consistir apenas na eliminação as suas disfunções, não devendo perder de vista a renovação da democracia e o incentivo a uma maior participação. É o mesmo apelo que dirige ao Estado no recente relatório da SEDES: “abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral.”
Há uns anos, Geoff Mulgan, um dos autores da “terceira via” e na altura ‘head of strategy’ de Blair, deixou a política para liderar a Young Foundation. Geoff percebeu (a tempo) que o Estado social depende mais da sua actuação ao nível das respostas às necessidades sociais do que das suas estratégias. Para ele, há uma revolução por fazer ao nível da educação, da saúde, do ambiente, da justiça, da qualidade de vida, que depende de uma sociedade civil dinâmica e participativa. Sem cidadãos verdadeiramente disponíveis, fica comprometida a hipótese de um Estado social, de uma sociedade de igualdade de oportunidades, bem-estar e coesão social.
No próximo dia 30 de Maio, a Gulbenkian acolhe o “nextrev – congresso internacional de inovação social” (www.nextrev-lisbon.org). O papel das comunidades e da participação cívica e democrática será uma das áreas em debate. Esta é uma resposta da ONG em que trabalho ao “difuso mal-estar” da sociedade portuguesa. "
João Wengorovius Meneses
No início da década de 1980, Pierre Rosanvallon anunciava, em França, aquilo que os economistas já tinham começado a prever – a crise do Estado-Providência. Essa crise era, antes de mais, crise financeira do Estado, pois a transição demográfica associada ao aumento da esperança de vida e à acrescida extensão e generalização dos direitos sociais (por exemplo, subsídios de desemprego e doença e pensões de reforma), exigia uma proporção crescente de despesas públicas nas funções sociais e, com ela, a necessidade de níveis crescentes de impostos e de contribuições para a segurança social dificilmente sustentáveis.
Para além do anúncio da crise, Pierre Rosanvallon tornava claro que se devia evitar a falácia de se considerar que as alternativas eram apenas mais Estado ou mais mercado. O reforço do puro estatismo levaria garantidamente a uma insolvência a prazo; por seu lado, o caminho da privatização das funções passíveis de serem privatizáveis (saúde e pensões de reforma, por exemplo) poderia significar a regressão dos objectivos redistributivos e de justiça social subjacentes à própria noção de Estado-Providência. O caminho passaria então por um reforço da sociedade civil: por um renascimento das solidariedades pessoais, pela participação de cada cidadão e pela assumpção por parte do terceiro sector de algumas das funções Estado.
Nas sociedades europeias actuais, praticamente resolvido o problema da paz, assumem uma crescente importância a qualidade de vida e a coesão social. Porém, geralmente as administrações públicas estão mal preparadas, não por falta de interesse mas pela sua própria natureza, para a actividade de melhorar a qualidade de vida ou ajudar as pessoas em situação de exclusão social. E, no curto prazo, pouco será de esperar das empresas. Qual foi a variável que ficou de fora? A sociedade civil, claro.
Também para Anthony Giddens, o futuro da democracia depende do fomento de uma profunda cultura cívica. E nem os mercados nem uma pluralidade de grupos de interesse especiais podem produzir essa cultura. Aliás, “temos de deixar de pensar que a sociedade é composta apenas por dois sectores: o Estado e o mercado, ou o sector público e o sector privado. Entre estes dois encontra-se a área da sociedade civil, que inclui os cidadãos, a família e as instituições do terceiro sector.”
Se o século XX foi o século dos governos e das empresas, o século XXI será o século da sociedade civil. Sobretudo na “Europa dos cidadãos”, na Europa que se transformou de Comunidade Económica Europeia (CEE) em União Europeia (UE), para se redireccionar de uma realidade económica para uma realidade social.
Ontem, no jornal Público, Vital Moreira alertou para a necessidade da modernização do sistema político não consistir apenas na eliminação as suas disfunções, não devendo perder de vista a renovação da democracia e o incentivo a uma maior participação. É o mesmo apelo que dirige ao Estado no recente relatório da SEDES: “abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral.”
Há uns anos, Geoff Mulgan, um dos autores da “terceira via” e na altura ‘head of strategy’ de Blair, deixou a política para liderar a Young Foundation. Geoff percebeu (a tempo) que o Estado social depende mais da sua actuação ao nível das respostas às necessidades sociais do que das suas estratégias. Para ele, há uma revolução por fazer ao nível da educação, da saúde, do ambiente, da justiça, da qualidade de vida, que depende de uma sociedade civil dinâmica e participativa. Sem cidadãos verdadeiramente disponíveis, fica comprometida a hipótese de um Estado social, de uma sociedade de igualdade de oportunidades, bem-estar e coesão social.
No próximo dia 30 de Maio, a Gulbenkian acolhe o “nextrev – congresso internacional de inovação social” (www.nextrev-lisbon.org). O papel das comunidades e da participação cívica e democrática será uma das áreas em debate. Esta é uma resposta da ONG em que trabalho ao “difuso mal-estar” da sociedade portuguesa. "
João Wengorovius Meneses
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