sexta-feira, fevereiro 01, 2008

A sombra de Sócrates

"Se uma remodelação serve para renovar o ‘élan’ político de um Executivo, as mudanças no Governo anunciam desde logo um fracasso.

A remodelação foi um acto falhado. A benefício da verdade, as mudanças no Governo elevam o Executivo a um grau superior no domínio da centralização política. Os ministros, os novos e os velhos, vivem na estreita dependência do primeiro-ministro, sem representatividade própria e sem peso político. O que não existe na remodelação é o que continua a faltar ao Governo – visão e ambição para o país. Fruto da mais cansada imaginação política, Sócrates inventou o Governo de uma nota só.

Se uma remodelação serve para renovar o ‘élan’ político de um Executivo, as mudanças no Governo anunciam desde logo um fracasso. Enquanto os ministros que saem não deixam saudades, os ministros que entram prometem não mudar de políticas, mas garantem que vão empenhar-se no estilo. De facto, a governação socialista arrisca-se a ficar na história como um exercício de estilo coberto por um discurso político dos resultados.

Mas no essencial, a remodelação aponta para duas evidências. Primeiro, Sócrates ensaia no Governo uma recomposição ideológica à esquerda. Sendo o Serviço Nacional de Saúde uma espécie de religião para alguns sectores socialistas, com a nomeação de um ministro de perfil mais social, o primeiro-ministro pretende proceder à acalmação do PS. Segundo, não alterando nada do essencial da política do Governo, Sócrates prepara-se para uma governação à vista, sem alma de ambição e avesso a qualquer risco político. Com a remodelação, Sócrates reafirma a sua complacência e auto-satisfação, enquanto o Governo entra em período de gestão e em espírito eleitoral.

Em vez de uma mudança cosmética, o primeiro-ministro devia esclarecer o país se as opções do Governo na Saúde implicam o reforço da igualdade, grande objectivo do “socialismo antigo”, ou o princípio da eficiência, grande desígnio do “socialismo moderno”, mas criticado e contestado pelo “socialismo antigo”. O paradoxo no ministério da Saúde é o paradoxo de um primeiro-ministro que vacila entre o velho e o novo socialismo.

Sobre toda a remodelação paira ainda a influência do Presidente da República. O primeiro-ministro aparenta auto-suficiência e confiança. Mas os argumentos de Cavaco Silva parecem provocar em Sócrates alguma volatilidade política. Eis pois um primeiro-ministro sensível aos ares de Belém
."

Carlos Marques de Almeida

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