Ver além do curto prazo
"A crise de crédito terá graves consequências económicas no curto prazo. Importa perguntar que impacto virá a ter no longo prazo.
Nos últimos 20 anos, a economia mundial passou por duas revoluções e ambas evoluíram para bolhas de preços dos activos. A primeira deveu-se ao progresso da tecnologia de informação (TI) e a segunda ao inexorável avanço dos modernos mercados de crédito. Uma e outra desencadearam episódios de crescimento/rebentamento. A crise de crédito, em particular, terá graves consequências económicas no curto prazo. Certo, mas importa perguntar que impacto virá a ter no longo prazo.
No caso das TI, o entusiasmo justificava-se plenamente, apenas foi prematuro. Afinal, a Internet revolucionou os media, o retalho, a banca e a vida de todos nós em geral. As modernas telecomunicações estão para a nossa mobilidade como o combóio e o automóvel estiveram no início do século XX. E se as TI não tiveram maior impacto na produtividade, isso deveu-se mais aos critérios de mensuração do que às TI propriamente ditas.
E que dizer das perspectivas a longo prazo para o crédito securitizado? John Kenneth Galbraith escreveu na sua obra “A Short History of Financial Euphoria” que a finança não é dada a inovações, ponto final. E explica que o que é tido como inovação não passa, afinal, de crédito securitizado. É, pois, possível “embrulhar” os activos, reembrulhá-los e dar-lhes outro nome, mas há algo que nunca muda: a certa altura alguém ficará a dever dinheiro a outrém. Ora, se este mercado crescer, não tenho dúvidas de que isso será consequência da exuberância.
A função macroeconómica de um mercado financeiro moderno é assegurar a liquidez, informar com transparência e partilhar o risco. Durante o ‘boom’ de crédito, os proponentes diziam que as obrigações de dívida colateral iriam ajudar a dispersar o risco do crédito pela economia. Mas em vez de canalizarem o risco para quem podia absorvê-lo, acabaram por orientá-lo para instituições que o amplificaram, isto é, os bancos.
Mais: a transparência ao nível da informação não correspondeu às expectativas – a maioria dos produtos de crédito é extremamente opaca. Acresce que o argumento da liquidez só deu resultados em períodos de exuberância. Em suma, a forma como os mercados “securitizados” têm operado só podia traduzir-se em parcos benefícios macroeconómicos. A regra diz-nos que os episódios de crescimento/rebentamento são danosos para a economia. Os efeitos macroeconómicos do moderno mercado de crédito confirmam-no e tudo indica que a situação tenderá a piorar ao longo de 2008.
Pessoalmente, creio que um mercado financeiro funcional, onde a partilha do risco é efectiva e a informação transparente, pode ser positivo. Tal como acredito que o crédito hipotecário de alto risco (‘subprime’) pode ser um produto vantajoso, pelo facto de ajudar as famílias mais carenciadas a financiar as suas casas. Mas, para isso, é preciso que todas as partes compreendam os riscos e que quem concede o crédito partilhe alguma responsabilidade no caso de incumprimento.
Ora, muitas das inovações nos mercados financeiros não são assim tão inovadores quanto podem parecer à primeira vista. Há muito que criamos “invólucros” para as hipotecas e que as transformamos em instrumentos de dívida, seja sob a forma de obrigações de titularização ao crédito à habitação ou de obrigações hipotecárias. A novidade reside no facto de o invólucro ter transformado esses títulos em produtos mais complexos, que são, por sua vez, “embrulhados” em estruturas também elas mais complexas. Tendo em consideração todos os passos do ciclo é pouco provável que haja quaisquer benefícios.
Talvez o mais importante efeito macroeconómico provenha dos ‘credit default swaps’ – instrumentos que servem de seguro caso uma entidade emitente de dívida não consiga cumprir as suas obrigações. Teremos, contudo, de esperar para ver como este mercado vai lidar com uma desaceleração acentuada da economia e um aumento súbito do número de falências – cenário que provavelmente se irá concretizar este ano. Quem sabe se os modernos modelos matemáticos de avaliação não estarão errados. É a conclusão a que se chega quando verificamos que apenas produziram avaliações de risco demasiado optimistas. Moral da história: para que a partilha do risco seja benéfica em termos macroeconómicos é preciso que as partes conheçam e compreendam esses mesmos riscos."
Wolfgang Munchau
Nos últimos 20 anos, a economia mundial passou por duas revoluções e ambas evoluíram para bolhas de preços dos activos. A primeira deveu-se ao progresso da tecnologia de informação (TI) e a segunda ao inexorável avanço dos modernos mercados de crédito. Uma e outra desencadearam episódios de crescimento/rebentamento. A crise de crédito, em particular, terá graves consequências económicas no curto prazo. Certo, mas importa perguntar que impacto virá a ter no longo prazo.
No caso das TI, o entusiasmo justificava-se plenamente, apenas foi prematuro. Afinal, a Internet revolucionou os media, o retalho, a banca e a vida de todos nós em geral. As modernas telecomunicações estão para a nossa mobilidade como o combóio e o automóvel estiveram no início do século XX. E se as TI não tiveram maior impacto na produtividade, isso deveu-se mais aos critérios de mensuração do que às TI propriamente ditas.
E que dizer das perspectivas a longo prazo para o crédito securitizado? John Kenneth Galbraith escreveu na sua obra “A Short History of Financial Euphoria” que a finança não é dada a inovações, ponto final. E explica que o que é tido como inovação não passa, afinal, de crédito securitizado. É, pois, possível “embrulhar” os activos, reembrulhá-los e dar-lhes outro nome, mas há algo que nunca muda: a certa altura alguém ficará a dever dinheiro a outrém. Ora, se este mercado crescer, não tenho dúvidas de que isso será consequência da exuberância.
A função macroeconómica de um mercado financeiro moderno é assegurar a liquidez, informar com transparência e partilhar o risco. Durante o ‘boom’ de crédito, os proponentes diziam que as obrigações de dívida colateral iriam ajudar a dispersar o risco do crédito pela economia. Mas em vez de canalizarem o risco para quem podia absorvê-lo, acabaram por orientá-lo para instituições que o amplificaram, isto é, os bancos.
Mais: a transparência ao nível da informação não correspondeu às expectativas – a maioria dos produtos de crédito é extremamente opaca. Acresce que o argumento da liquidez só deu resultados em períodos de exuberância. Em suma, a forma como os mercados “securitizados” têm operado só podia traduzir-se em parcos benefícios macroeconómicos. A regra diz-nos que os episódios de crescimento/rebentamento são danosos para a economia. Os efeitos macroeconómicos do moderno mercado de crédito confirmam-no e tudo indica que a situação tenderá a piorar ao longo de 2008.
Pessoalmente, creio que um mercado financeiro funcional, onde a partilha do risco é efectiva e a informação transparente, pode ser positivo. Tal como acredito que o crédito hipotecário de alto risco (‘subprime’) pode ser um produto vantajoso, pelo facto de ajudar as famílias mais carenciadas a financiar as suas casas. Mas, para isso, é preciso que todas as partes compreendam os riscos e que quem concede o crédito partilhe alguma responsabilidade no caso de incumprimento.
Ora, muitas das inovações nos mercados financeiros não são assim tão inovadores quanto podem parecer à primeira vista. Há muito que criamos “invólucros” para as hipotecas e que as transformamos em instrumentos de dívida, seja sob a forma de obrigações de titularização ao crédito à habitação ou de obrigações hipotecárias. A novidade reside no facto de o invólucro ter transformado esses títulos em produtos mais complexos, que são, por sua vez, “embrulhados” em estruturas também elas mais complexas. Tendo em consideração todos os passos do ciclo é pouco provável que haja quaisquer benefícios.
Talvez o mais importante efeito macroeconómico provenha dos ‘credit default swaps’ – instrumentos que servem de seguro caso uma entidade emitente de dívida não consiga cumprir as suas obrigações. Teremos, contudo, de esperar para ver como este mercado vai lidar com uma desaceleração acentuada da economia e um aumento súbito do número de falências – cenário que provavelmente se irá concretizar este ano. Quem sabe se os modernos modelos matemáticos de avaliação não estarão errados. É a conclusão a que se chega quando verificamos que apenas produziram avaliações de risco demasiado optimistas. Moral da história: para que a partilha do risco seja benéfica em termos macroeconómicos é preciso que as partes conheçam e compreendam esses mesmos riscos."
Wolfgang Munchau
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