A VÉNUS DE MECA
"Enquanto os jornais dinamarqueses reagiam a uma conspiração para assassinar os autores das famosas caricaturas de Maomé com a republicação das mesmas, os responsáveis pelo metropolitano de Londres retiraram de circulação o anúncio de uma exposição de Cranach, o Velho, na Royal Academy of Arts. O cartaz mostrava Vénus em pelota e, na versão oficial, houve receio de que a imagem "sexualmente explícita" ferisse susceptibilidades. Na prática, estas mesuras sucedem-se com regularidade bastante para detectarmos o conhecido padrão de reverência às susceptibilidades especificamente muçulmanas.
É evidente que inúmeros muçulmanos se ofendem com a exibição da genitália feminina. A julgar pela mutilação que às vezes lhe infligem, alguns ofendem-se com a própria existência da genitália feminina. E se não for o nosso relativo despudor em matéria de sexo, será a nossa abstinência religiosa a indigná-los. E se não for a religião, haverá sempre uma faceta do Ocidente contemporâneo a transtornar uma cabecinha rendida ao islamismo.
Entre os ocidentais, a solução preferida para este estado de coisas é o respeito pelas tradições dos que odeiam o que a Europa representa e, curiosamente, decidem viver nela. Não fora a irrelevância de, no caminho, as tradições daqui saírem largamente desrespeitadas, o método tem tudo para funcionar. A questão é: funciona?
Duvido. Além da susceptibilidade, a característica que une os mais aplicados crentes no Profeta é a fúria, ou um estado de zanga permanente com o mundo - seja o nosso, que toma inomináveis cautelas para corresponder aos valores deles, seja o deles, onde os valores são protegidos pela lei e por desagradáveis castigos. Se calhar, o problema dos muçulmanos fervorosos passa, justamente, pelos valores que escolheram ou que alguém escolheu em seu lugar. Sem as diversas liberdades de uma sociedade laica e democrática, sem um mínimo de desvario sexual, sem álcool e sem notórias compensações terrenas ao temor religioso, não admira que, na França ou na Síria, milhões de devotos resmunguem angústias e uns milhares tencionem aliviá-las à bomba.
Eis porque esconder a nudez da Vénus não consolará nenhum destes infelizes. Apesar de resmungarem, no fundo eles invejam a nudez e, para usar o lendário termo do prof. Freitas do Amaral, toda a licenciosidade presente na vida do ocidental médio. Se os fundamentalistas se arrepiam com os nossos hábitos, a resposta não é censurar os hábitos, mas atirá-los ao rosto dos fundamentalistas até que estes percebam, radiantes, aquilo de que já suspeitam: 1) as 72 virgens não moram no céu; 2) a maioria perdeu a virgindade há muito. Se vários países governados pela sharia proíbem o Dia dos Namorados (e o que calha) a pretexto da "corrupção da juventude", compete aos civilizados e namoradeiros europeus corrompê-la quando possível.
Salvo o erro, foi o romancista francês Michel Houllebecq a afirmar que a vitória sobre os taliban implicaria apenas o bombardeamento do Afeganistão com minissaias e preservativos. Descontada a provocação, o princípio parece razoável. A alternativa, isto é, transformar a Europa num vasto Afeganistão, não parece."
Alberto Gonçalves
É evidente que inúmeros muçulmanos se ofendem com a exibição da genitália feminina. A julgar pela mutilação que às vezes lhe infligem, alguns ofendem-se com a própria existência da genitália feminina. E se não for o nosso relativo despudor em matéria de sexo, será a nossa abstinência religiosa a indigná-los. E se não for a religião, haverá sempre uma faceta do Ocidente contemporâneo a transtornar uma cabecinha rendida ao islamismo.
Entre os ocidentais, a solução preferida para este estado de coisas é o respeito pelas tradições dos que odeiam o que a Europa representa e, curiosamente, decidem viver nela. Não fora a irrelevância de, no caminho, as tradições daqui saírem largamente desrespeitadas, o método tem tudo para funcionar. A questão é: funciona?
Duvido. Além da susceptibilidade, a característica que une os mais aplicados crentes no Profeta é a fúria, ou um estado de zanga permanente com o mundo - seja o nosso, que toma inomináveis cautelas para corresponder aos valores deles, seja o deles, onde os valores são protegidos pela lei e por desagradáveis castigos. Se calhar, o problema dos muçulmanos fervorosos passa, justamente, pelos valores que escolheram ou que alguém escolheu em seu lugar. Sem as diversas liberdades de uma sociedade laica e democrática, sem um mínimo de desvario sexual, sem álcool e sem notórias compensações terrenas ao temor religioso, não admira que, na França ou na Síria, milhões de devotos resmunguem angústias e uns milhares tencionem aliviá-las à bomba.
Eis porque esconder a nudez da Vénus não consolará nenhum destes infelizes. Apesar de resmungarem, no fundo eles invejam a nudez e, para usar o lendário termo do prof. Freitas do Amaral, toda a licenciosidade presente na vida do ocidental médio. Se os fundamentalistas se arrepiam com os nossos hábitos, a resposta não é censurar os hábitos, mas atirá-los ao rosto dos fundamentalistas até que estes percebam, radiantes, aquilo de que já suspeitam: 1) as 72 virgens não moram no céu; 2) a maioria perdeu a virgindade há muito. Se vários países governados pela sharia proíbem o Dia dos Namorados (e o que calha) a pretexto da "corrupção da juventude", compete aos civilizados e namoradeiros europeus corrompê-la quando possível.
Salvo o erro, foi o romancista francês Michel Houllebecq a afirmar que a vitória sobre os taliban implicaria apenas o bombardeamento do Afeganistão com minissaias e preservativos. Descontada a provocação, o princípio parece razoável. A alternativa, isto é, transformar a Europa num vasto Afeganistão, não parece."
Alberto Gonçalves
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