VÍCIOS PÚBLICOS, PRIVADAS VIRTUDES
"Todos sabemos que os americanos são profundamente ignorantes das realidades alheias. Ainda assim, e apesar da vastíssima cultura do português médio, as probabilidades de que um governador de Nova Iorque adquirisse aqui certa celebridade não eram elevadas. A menos que o sujeito reservasse a suíte de um hotel, contactasse uma rede de prostituição e reservasse umas moças a preços que atingiam os 5 mil dólares por moça e hora (mesmo com a desvalorização, é dinheiro). E que em seguida, claro, fosse descoberto.
Foi o que sucedeu a Eliot Spitzer, de súbito um nome relativamente familiar às multidões. Multidões de linchamento, para ser exacto, que à esquerda e à direita berram contra a hipocrisia. No meio do berreiro, só não compreendi se o alvo é a hipocrisia de Spitzer, alegadamente um modelo de correcção pública, se a hipocrisia genérica dos EUA, que nas últimas décadas desataram a condenar, com requintes de enxovalho, os deslizes privados dos seus melhores.
Eu admito que o escrutínio sexual dos políticos é uma tendência deprimente. E que as desculpas públicas (e com a esposa a tiracolo) constituem um espectáculo atroz. E que em Portugal, tirando a velha difamação a Sá Carneiro (uma boa causa), a devassa da classe ou é tabu ou é ridiculamente manipulada pelos devassados, outra boa causa comprovada nas "reportagens" da SIC sobre os "autênticos" Sócrates e Menezes.
O que confunde no modo como em Portugal se contou e acolheu a história de Spitzer é o alegado confronto entre os seus pecadilhos íntimos e a sua impoluta carreira. Impoluta porquê? Enquanto procurador-geral, Spitzer moveu-se pelo ódio irracional aos "poderosos" e dedicou-se a afrontar as empresas bolsistas, frequentemente com fundamentos dúbios e uma ética que ele se atribuiu. Enquanto governador, utilizou recursos do estado para vigiar adversários, pretendeu espalhar cartas de condução (nos EUA, uma identificação vital) por imigrantes ilegais e demais maravilhas afins. No final de 2007, a sua taxa de aprovação era residual (fora eleito um ano antes com quase 70% dos votos). Se removermos o crime federal cometido no processo, os malabarismos com a senhorita Ashley Dupré foram das raras proezas de que Spitzer se pode orgulhar.
Se é que pode: decerto à espera do contrato para a autobiografia, a senhorita Dupré não esmiuçou os malabarismos. Jurou, somente, não ser um monstro. Analisei as fotografias divulgadas e concordo. Já o retrato do democrata Spitzer estava disponível há muito: um zelota e um pequeno paranóico, que lá não deixa saudades, mas cá deixa dois ou três pretextos pífios, e redundantes, para verter o habitual ódio à América."
Alberto Gonçalves
Foi o que sucedeu a Eliot Spitzer, de súbito um nome relativamente familiar às multidões. Multidões de linchamento, para ser exacto, que à esquerda e à direita berram contra a hipocrisia. No meio do berreiro, só não compreendi se o alvo é a hipocrisia de Spitzer, alegadamente um modelo de correcção pública, se a hipocrisia genérica dos EUA, que nas últimas décadas desataram a condenar, com requintes de enxovalho, os deslizes privados dos seus melhores.
Eu admito que o escrutínio sexual dos políticos é uma tendência deprimente. E que as desculpas públicas (e com a esposa a tiracolo) constituem um espectáculo atroz. E que em Portugal, tirando a velha difamação a Sá Carneiro (uma boa causa), a devassa da classe ou é tabu ou é ridiculamente manipulada pelos devassados, outra boa causa comprovada nas "reportagens" da SIC sobre os "autênticos" Sócrates e Menezes.
O que confunde no modo como em Portugal se contou e acolheu a história de Spitzer é o alegado confronto entre os seus pecadilhos íntimos e a sua impoluta carreira. Impoluta porquê? Enquanto procurador-geral, Spitzer moveu-se pelo ódio irracional aos "poderosos" e dedicou-se a afrontar as empresas bolsistas, frequentemente com fundamentos dúbios e uma ética que ele se atribuiu. Enquanto governador, utilizou recursos do estado para vigiar adversários, pretendeu espalhar cartas de condução (nos EUA, uma identificação vital) por imigrantes ilegais e demais maravilhas afins. No final de 2007, a sua taxa de aprovação era residual (fora eleito um ano antes com quase 70% dos votos). Se removermos o crime federal cometido no processo, os malabarismos com a senhorita Ashley Dupré foram das raras proezas de que Spitzer se pode orgulhar.
Se é que pode: decerto à espera do contrato para a autobiografia, a senhorita Dupré não esmiuçou os malabarismos. Jurou, somente, não ser um monstro. Analisei as fotografias divulgadas e concordo. Já o retrato do democrata Spitzer estava disponível há muito: um zelota e um pequeno paranóico, que lá não deixa saudades, mas cá deixa dois ou três pretextos pífios, e redundantes, para verter o habitual ódio à América."
Alberto Gonçalves
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