quarta-feira, maio 07, 2008

A MARCHA DA FOME

"Li algures que, depois de ser preso e antes de ficar calado, o austríaco que fechou a filha durante 24 anos se justificou com a necessidade de a proteger das drogas. Podemos discutir a selvajaria do método. Não podemos discutir a eficácia: enfiada num buraco, de certeza que a infeliz moça se deparou com dificuldades em adquirir narcóticos e, o que seria muito mais vergonhoso, em participar em manifestações alusivas à respectiva legalização.

Agora que foi libertada, é possível que a moça tenha decidido manchar o nome paterno e aderido à Marcha Global da Marijuana, que decorreu em diversas cidades do mundo, incluindo Lisboa e Porto. Na conferência que anunciou a versão nacional da Marcha, um médico convidado lembrou os "benefícios terapêuticos" da "cannabis": previne o vómito e o enjoo, serve de analgésico e aumenta o apetite. Outros médicos, não convidados, diriam que a "cannabis" perturba a concentração e a coordenação, atrasa o tempo de reacção, dá cabo da memória, provoca sono, ansiedade, paranóia, náuseas, enxaquecas, tremores, problemas respiratórios e deficiências cognitivas. Além disso, aumenta o apetite.

A paranóia e a deficiência cognitiva, pelo menos, estão vastamente comprovadas: basta constatar a altíssima percentagem de consumidores de "erva" que acreditam nas teses conspirativas do 11 de Setembro, nos filmes de Michael Moore e em discos voadores.

Mas não queria ir por aí. E a rapaziada da Marcha também não deveria. Transformar as drogas ditas leves numa mezinha saudável arruína metade do gozo dos seus utilizadores. Legalizá-las arruína a outra metade. A única função destas substâncias é justamente alimentar a "irreverência" dos seus devotos: um sujeito fuma haxixe porque, graças a uma alucinação induzida ou natural, se convenceu de que o acto subverte o "sistema". Se o "sistema" legitimar o acto, estraga a ilusão do coitado.

Não admira que, na Holanda, a aquisição das drogas nos coffee-shops (legal) tenha diminuído em favor do seu cultivo caseiro (ilegal). Lá, o arbusto de marijuana no quintal das traseiras é a derradeira "resistência" às convenções sociais, que esta gente julga desafiar. No dia em que até o arbusto for tão banal e inócuo quanto um canteiro de violetas, a marijuana perde a razão de ser. Escusado dizer que os holandeses ostentam, à conta da legalização, uma das menores taxas de consumo da Europa. Contudo, sofrem imenso de vómito, enjoo e dores. E comem pouquíssimo
."

Alberto Gonçalves

Divulgue o seu blog!