quarta-feira, maio 14, 2008

Sacos rotos

"É irritante ouvir um ministro, responsável político ou técnico reduzir os problemas com que os portugueses se confrontam no dia-a-dia – ou melhor, dia após dia – a um ‘caso pontual’ ou ‘isolado’. É sinónimo de que, por assim o querer ver ou fazer crer, ou não tem ou não sabe a solução para o problema.

Nos últimos tempos, os membros do Governo têm sido useiros e vezeiros no recurso a esta torpe técnica de alijar responsabilidades e encapar as questões.

Por mais graves que elas sejam.

Por exemplo, o Governo desconhece quantos edifícios do Estado têm amianto, substância cancerígena e, portanto, de elevado risco para a saúde pública. Apesar de existir há já cinco anos uma resolução da Assembleia da República no sentido de o Executivo promover e apresentar tal inventário.

Acontece que o Ministério da Educação tem em sua posse um relatório segundo o qual mais de 50% das escolas do país têm amianto.

E o que diz a ministra da Educação?

Olhem, leiam mas é os relatórios na íntegra e deixem de se preocupar apenas com parangonas ou notícias alarmistas...

Até porque, acrescenta a ministra, os níveis de partículas de amianto, em geral, estão dentro dos limites legais.

Sim, senhora: que os miúdos fiquem anos expostos ao amianto não tem problema; mas ai daquele que ouse acender um cigarro nessas mesmas instalações.

Sobre o problema em concreto e solução para o mesmo, Maria de Lurdes Rodrigues, em geral, diz que nada tem a declarar.

Outro exemplo: encarniça-se a ministra da Saúde com o facto de haver autarquias que celebraram protocolos com Cuba para que os seus munícipes que estão em lista de espera para uma operação aos olhos possam realizar a intervenção cirúrgica em hospitais cubanos especializados em oftalmologia.

Ana Jorge parece mais preocupada com o acompanhamento que esses doentes têm depois de realizada a operação em Cuba do que com o tempo de espera a que esses mesmos doentes teriam de sujeitar-se caso não tivessem essa alternativa. Muitos com sério risco de cegueira.

O que devia preocupar verdadeiramente a ministra era reduzir as listas de espera e tornar desnecessário o recurso a Cuba. E não condenar a meritória iniciativa das autarquias.

Dizer simplesmente que estas deviam procurar resolver o problema com os hospitais públicos nacionais – mais caros e sem capacidade de resposta – é atirar areia para os olhos de milhares de doentes em risco de deixar de ver. E para todos os outros, a ver se não vêem.

Novo exemplo: um indivíduo armado obrigou à evacuação do tribunal de Gaia.

O que veio dizer o representante do Ministério da Justiça?

Trata-se de um caso isolado. Pois claro.

Por acaso – mero acaso? – o Ministério até já recebeu um relatório (mais um) de uma comissão de trabalho que andou meses a verificar as condições de segurança e de controlo das entradas nos tribunais portugueses. E agora até estão a ser analisadas as propostas de solução para os casos mais complicados.

Ora ainda bem. Pode ser que se evitem mais ‘casos isolados’.

Já quanto à morosidade da Justiça que esteve na base do desesperado e criminoso acto, nem uma palavra. Não é problema.

E mais outro exemplo: o sistema de informatização dos serviços dependentes do Ministério da Justiça – nomeadamente, os registos civil, predial e comercial – andam há meses com falhas crónicas que põem em causa o normal funcionamento das conservatórias. Conservadores e respectivos funcionários levam horas – quando não dias – em operações básicas, por falta de resposta do sistema.

E o que diz o ministro da Justiça?

Que não pode concluir-se que o sistema não funciona a partir de situações ‘pontuais’ e por desconhecimento do balanço global: foram feitas ene certidões, mais xis registos e um rol de outros actos por virtude do Simplex.

E tudo continua na mesma. Mais ainda, toca a avaliar os funcionários pelo número de informatizações que conseguem cumprir, independentemente das anomalias no sistema. Espantoso.

Alberto Costa recusa-se a reconhecer e a assumir o problema. Não pode, pois, resolvê-lo.

Em suma, o problema é mesmo esse. E é grave. Tanto mais grave quanto maior vai sendo o número de ministros com sacos rotos
."

MRamires

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