sábado, junho 14, 2008

E agora?

"Sócrates [...] cometeu o mais crasso dos erros: fingiu deter os meios para superar a crise”

A greve dos transportadores – que afinal não foi greve, nem lock out, nem foi dos transportadores nem dos camionistas, mas uma simples e voluntariosa ‘acção de sensibilização’ promovida por ‘espontâneos’ com ameaças à mistura e uma preciosa passividade das forças da ordem – foi um interessantíssimo exemplo da confusão que por aí vai. E da fragilidade do sistema. E do que nos espera. Porque a festa ainda agora começou. De tudo houve. Piquetes. Ânimos exaltados.Desastrespessoais. Circo quanto baste. Algumas prateleiras vazias nos supermercados. E até açambarcamentos.Uma pequena revolta ‘made in Portugal’ com sabor a Santos Populares.

Foi a primeira confirmação, na era dita da confirmação da democracia, da fantásticafragilidadedo poder. Como chegámos a esta encruzilhada todos sabemos. Mas como irá acabar esta história só podemos adivinhar. Estamos numa encruzilhada político-social que não é só nossa e que, portanto, nunca solucionaremos unilateralmente. Esta aparente conciliação que saiu do encontro da Batalha não passa de uma terrível capitulação, que Sócrates pagará amargamente e que, mesmo assim, deixou descontentes os pequenos transportadores.

Malgrado a aparente acalmia anunciada ontem, a única coisa que temos garantida é uma grande confusão e uma sucessão interminável de crises cada vez mais graves. As inevitáveis variações nos preços do crude ditarão sucessivas crises e novos peditórios nas ruas. O Governo, impotente para curar a doença, optou por mascarar os sintomas. Apresenta-se com melhores cores, mas está profundamente doente. Tem uma coisinha ruim. E já só pensa em tornar minimamente suportável o tempo de vida que lhe resta. Com este singelo episódio a autoridade do Estado esgotou-se por falta de comparência e nenhum analgésico poderá tornar menos dolorosos os últimos dias do Governo.

Sócrates, ao negociar da forma como o fez, cometeu o mais crasso dos erros: fingiu deter os meios para superar esta crise. Ou qualquer outra com as mesmas causas. Com essa simulação, assinou a sua sentença de morte. Porque continua escravo do défice, dos ditames da União, dos caprichos de Bush, das necessidades de chineses e indianos e da gula e impunidade dos especuladores nos mercados petrolíferos e ainda das refinarias e dos distribuidores. Dele só o ISPP, que lhe enche os bolsos e do qual já não pode prescindir. Por absoluta falta de instinto, cultura e senso político, Sócrates abriu a caixa de Pandora
."

João Marques dos Santos

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