Mistérios do crescimento
"O exacerbar do cepticismo em relação aos benefícios da globalização e a ampliação de sentimentos políticos proteccionistas é alarmante.
Há 3 semanas atrás foi publicado o relatório da World Bank Growth Commission liderada pelo Prémio Nobel Michael Spence. O corolário de 2 anos de trabalho, reunião de 21 líderes mundiais e especialistas do crescimento, 11 grupos de trabalho, 300 académicos (entre os quais Robert Solow), 12 ‘workshops’, 13 consultas públicas e um orçamento de 4 milhões de dólares. O objectivo, investigar as causas, consequências e dinâmicas internas de fenómenos de crescimento sustentado elevado (em particular, treze economias que na segunda metade do século passado cresceram a uma média anual superior a 7%, durante mais de 25 anos). Seguem-se 4 pontos, que na minha opinião, reflectem alguns dos traços mais interessantes do relatório.
Primeiro, o tom de franqueza que caracteriza todo o documento. Os autores reconhecem com uma clareza desarmante que não sabem quais são as condições necessárias para o crescimento. Admitem ser capazes de elencar factores que caracterizam economias de sucesso, mas incapazes de apontar, com certeza, os factores indispensáveis a esse sucesso. Apresentam uma lista de ingredientes, mas não estão certos que sejam todos necessários e não conhecem as doses e ordem que deve reger a sua combinação (i.e. desconhecem a receita). Para economistas, e sobretudo para políticos, é uma importante lição de humildade intelectual.
Segundo, crescimento rápido e sustentável não acontece espontaneamente. Requer um empenho duradouro dos líderes políticos, um misto de paciência, perseverança e pragmatismo – nos termos de Benjamin Mkapa, ex-presidente da Tanzânia, “no longo prazo, não compensa construir uma mansão económica sobre fundações de areia política”. A comissão faz questão de demarcar-se da ideia de que crescimento elevado e sustentável assenta univocamente em Estados cada vez mais pequenos e mercados cada vez mais livres. Entendem os autores que a ênfase exclusiva nas políticas de estabilização, privatização e liberalização, tão em voga há 15 anos atrás, reflecte uma interpretação extraordinariamente incompleta da natureza do problema em questão. Neste ponto, a comissão prefere adoptar a perspectiva de sir Arthur Lewis, segundo o qual “os governos podem falhar quer porque fazem de mais, quer porque fazem de menos”. Simples, mas instrutivo.
Terceiro, economias em crescimento acelerado são verdadeiros alvos em movimento. Como tal, é frequente más políticas actuais serem simplesmente o produto de boas políticas do passado que se mantiveram activas durante demasiado tempo. Exemplo clássico: há vários estudos empíricos que sugerem que o crescimento económico se deve mais a ganhos de eficiência dinâmica associados à entrada de novas firmas (e industrias) mais produtivas no mercado e à saída de empresas (e industrias) em dificuldade, do que a aumentos de produtividade estáticos decorrentes de aumentos de escala das firmas incumbentes. Um dos erros mais comuns que os autores observaram na prática prende-se precisamente com a cristalização no tempo de constelações de políticas e industrias outrora de sucesso, cujo tempo tornou obsoletas. Soa-lhe familiar?
Quarto, a comissão alerta para os perigos de não se actuar sobre a tendência de aumento das desigualdades na distribuição do rendimento, contemporânea dos fenómenos de crescimento rápido. O exacerbar do cepticismo em relação aos benefícios da globalização e a ampliação de sentimentos políticos proteccionistas é alarmante. Segundo a comissão, a defesa de uma economia global aberta exige que paremos de nos vangloriar sobre a supremacia deste modelo e que reconheçamos que os seus custos e benefícios se distribuem assimetricamente não só entre países, mas também entre diferentes grupos no interior de cada país. Nesse sentido, seria útil admitir que temos uma tarefa árdua pela frente, na adaptação e coordenação de políticas domésticas em resposta a mudanças globais permanentes. Infelizmente, tal como os membros da comissão referem, “a retórica [política] é consistente com esta prioridade, mas as acções não são”. "
Miguel Castro Coelho
Há 3 semanas atrás foi publicado o relatório da World Bank Growth Commission liderada pelo Prémio Nobel Michael Spence. O corolário de 2 anos de trabalho, reunião de 21 líderes mundiais e especialistas do crescimento, 11 grupos de trabalho, 300 académicos (entre os quais Robert Solow), 12 ‘workshops’, 13 consultas públicas e um orçamento de 4 milhões de dólares. O objectivo, investigar as causas, consequências e dinâmicas internas de fenómenos de crescimento sustentado elevado (em particular, treze economias que na segunda metade do século passado cresceram a uma média anual superior a 7%, durante mais de 25 anos). Seguem-se 4 pontos, que na minha opinião, reflectem alguns dos traços mais interessantes do relatório.
Primeiro, o tom de franqueza que caracteriza todo o documento. Os autores reconhecem com uma clareza desarmante que não sabem quais são as condições necessárias para o crescimento. Admitem ser capazes de elencar factores que caracterizam economias de sucesso, mas incapazes de apontar, com certeza, os factores indispensáveis a esse sucesso. Apresentam uma lista de ingredientes, mas não estão certos que sejam todos necessários e não conhecem as doses e ordem que deve reger a sua combinação (i.e. desconhecem a receita). Para economistas, e sobretudo para políticos, é uma importante lição de humildade intelectual.
Segundo, crescimento rápido e sustentável não acontece espontaneamente. Requer um empenho duradouro dos líderes políticos, um misto de paciência, perseverança e pragmatismo – nos termos de Benjamin Mkapa, ex-presidente da Tanzânia, “no longo prazo, não compensa construir uma mansão económica sobre fundações de areia política”. A comissão faz questão de demarcar-se da ideia de que crescimento elevado e sustentável assenta univocamente em Estados cada vez mais pequenos e mercados cada vez mais livres. Entendem os autores que a ênfase exclusiva nas políticas de estabilização, privatização e liberalização, tão em voga há 15 anos atrás, reflecte uma interpretação extraordinariamente incompleta da natureza do problema em questão. Neste ponto, a comissão prefere adoptar a perspectiva de sir Arthur Lewis, segundo o qual “os governos podem falhar quer porque fazem de mais, quer porque fazem de menos”. Simples, mas instrutivo.
Terceiro, economias em crescimento acelerado são verdadeiros alvos em movimento. Como tal, é frequente más políticas actuais serem simplesmente o produto de boas políticas do passado que se mantiveram activas durante demasiado tempo. Exemplo clássico: há vários estudos empíricos que sugerem que o crescimento económico se deve mais a ganhos de eficiência dinâmica associados à entrada de novas firmas (e industrias) mais produtivas no mercado e à saída de empresas (e industrias) em dificuldade, do que a aumentos de produtividade estáticos decorrentes de aumentos de escala das firmas incumbentes. Um dos erros mais comuns que os autores observaram na prática prende-se precisamente com a cristalização no tempo de constelações de políticas e industrias outrora de sucesso, cujo tempo tornou obsoletas. Soa-lhe familiar?
Quarto, a comissão alerta para os perigos de não se actuar sobre a tendência de aumento das desigualdades na distribuição do rendimento, contemporânea dos fenómenos de crescimento rápido. O exacerbar do cepticismo em relação aos benefícios da globalização e a ampliação de sentimentos políticos proteccionistas é alarmante. Segundo a comissão, a defesa de uma economia global aberta exige que paremos de nos vangloriar sobre a supremacia deste modelo e que reconheçamos que os seus custos e benefícios se distribuem assimetricamente não só entre países, mas também entre diferentes grupos no interior de cada país. Nesse sentido, seria útil admitir que temos uma tarefa árdua pela frente, na adaptação e coordenação de políticas domésticas em resposta a mudanças globais permanentes. Infelizmente, tal como os membros da comissão referem, “a retórica [política] é consistente com esta prioridade, mas as acções não são”. "
Miguel Castro Coelho
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