quarta-feira, junho 25, 2008

O erro da Irlanda

"O sucesso económico da Irlanda não deveu nada à UE e tudo à política interna, em particular ao baixo IRC e à mão-de-obra especializada.

Uma semana depois do que os líderes europeus apelidam de reflexão ficou a saber-se que a Irlanda irá realizar novo referendo no início do próximo ano. Se assim não for poderá haver a tentação de expulsar os irlandeses da União Europeia (UE).

Não é certo que vença o “sim” no segundo referendo. No momento em que a economia irlandesa ameaça despenhar-se, dificilmente o entusiasmo em torno da União e dos seus tratados ganhará novo alento. Por outras palavras, a realização do referendo terá os mesmos riscos que a sua não realização.

As probabilidades de a Irlanda acabar fora da UE passaram, no espaço de poucas semanas, de zero para uma possibilidade real. Não pretendo aqui dissertar sobre os trâmites legais que a saída de um estado-membro implica. Basta dizer que pode ser feito em conformidade com a lei europeia – desde que haja vontade política.

O que mais me incomoda nesta extraordinária reviravolta é perceber que, do ponto de vista dos irlandeses, a ruptura com a UE não é motivo para preocupação. Na semana passada recebi um elevado número de cartas de leitores irlandeses inabaláveis na sua convicção: o sucesso económico do país não deveu nada à UE e tudo à política interna, em particular ao baixo IRC e à mão-de-obra especializada.

A visão expressa é tão errada quanto esclarecedora, pelo que vale a pena analisar em detalhe a natureza do êxito económico irlandês nos últimos 30 anos para imaginar como seria a sua existência fora da UE. A importância dos subsídios é seguramente exagerada. Tiveram o seu papel, é certo, em especial na primeira fase do renascimento económico do país. Sublinhe-se que a Irlanda está prestes a tornar-se num contribuinte líquido para o orçamento da UE. Mas concluir o oposto seria um erro crasso, isto é, que a União teve pouca ou nenhuma importância.

A Irlanda foi um dos primeiros e mais entusiastas estados-membro do Sistema Monetário Europeu em 1979, que trouxe a tão almejada estabilidade macroeconómica. A adesão à zona euro, em 1999, conduziu à descida das taxas de juro e abriu caminho ao crescimento económico. Um IRC baixo também ajudou a Irlanda a atrair investidores estrangeiros. Mas não podemos esquecer que a Irlanda é igualmente o único estado-membro de língua inglesa que integra a zona euro, ou seja, o espaço onde a zona euro e a esfera anglófona se encontram.

O país beneficiou naturalmente da sua adesão ao mercado da UE e influenciou a sua gestão através de Charlie McCreevy, o comissário irlandês responsável pela pasta do mercado interno e serviços financeiros da União. Enquanto membro da UE, a Irlanda esteve em posição de vetar moções que pudessem comprometer o seu êxito económico. Sem a oposição firme da Irlanda, a UE teria seguramente ido mais além na imposição de uma harmonização fiscal para as empresas.

Não quero subestimar a importância das políticas internas. A Irlanda deve o seu sucesso a um complexo conjunto de políticas e circunstâncias. Destas, talvez as mais importantes tenham sido os acordos tripartidos de parceria social firmados desde 1987, através dos quais governo, trabalhadores e sindicatos conciliaram a moderação salarial com uma elevada taxa de emprego e uma carga fiscal baixa. Este tipo de corporativismo de mesa redonda funciona melhor em pequenas economias abertas, quando funciona. Mas não deixa de ser irónico que este país, cujas autoridades têm prazer em intimidar os outros sobre a economia de livre mercado seja um dos estados mais corporativistas da Europa.

Que aconteceria se a Irlanda abandonasse a UE? Tendo o estatuto de membro associado do mercado único europeu, muito provavelmente não iria atrair tanto investimento estrangeiro como hoje. O centro financeiro de Dublin seria demonizado como paraíso fiscal ‘offshore’ e tratado em pé de igualdade com o Liechtenstein. Mais: a Irlanda deixaria de ser membro da zona euro. E embora possa usar o euro se quiser, na prática seria como se o Panamá usasse dólares: um espectáculo triste. Acresce que deixaria de haver uma voz irlandesa no conselho de governadores do Banco Central Europeu alertando não ser esta a melhor altura para aumentar as taxas de juro. Abandonar a UE implica perder poder e influência.

Não exagero quando digo que o “não” é extremamente arriscado. E sabendo que a economia irlandesa está prestes a entrar numa fase de acentuada desaceleração económica devido ao abrandamento do mercado imobiliário e à crise do crédito, o momento não podia ser pior. O “não”, além de encerrar grandes riscos, é um jogo altamente assimétrico que, na melhor das hipóteses, não trará quaisquer benefícios materiais. O “não” iria pôr em causa o mais emblemático milagre económico da UE, mais a mais quando as cartas não são promissoras."


Wolfgang Munchau

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este discurso soa a ameaça, se os Irlandeses não votarem sim, estão literalmente condenados, uma excelente prova da democracia europeia! Do que se esquecem é que os Irlandeses são históricamente uns lutadores contra adversidades e potências coloniais e a união europeia não será diferente. A imposição de um regime à força corresponde a uma invasão e perda de soberania e isso não será tolerado por nenhum Irlandês que se preze.

quarta-feira, junho 25, 2008  

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