PESSOAS PEQUENAS
"Leio que a Casa Fernando Pessoa comemorou os 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa, o que sem dúvida parece adequado. Em seguida, o que parece menos adequado, leio que as comemorações envolveram um concerto de hip hop e uma sessão prática de graffiti alusivos.
Admito não ter visto os graffiti nem o concerto. Mas estranho um bocadinho que o maior escritor português do século XX seja evocado através de umas garatujas na parede e da adaptação musical (?) de poemas de Álvaro de Campos por artistas do gabarito de (recorro à notícia) Melo D., Maze, Fuse, Raptor ou Rocky Marsiano. Felizmente, a directora da Casa, Inês Pedrosa, esclarece: a intenção é "atingir os mais jovens".
Nada tão claro. O gentil pressuposto em causa é o de que quanto mais jovem mais estúpido. Aparentemente, dadas as vicissitudes do tempo, um petiz não alcança nenhuma obra literária excepto se esta for arrancada com violência do seu habitat natural e degradada até ao limite do reconhecível. Adaptar Pessoa ao jovem médio implica que alguém, acompanhado por uma sanfona electrónica, grite as respectivas palavras para o microfone, de preferência com interjeições à mistura. Para o jovem de compreensão particularmente lenta, os rabiscos na parede bastam.
Sendo um pressuposto comum e, ao que se vê, eventualmente justo, não há razão para não alargar o método às celebrações de outros escritores. Imagino que a juventude acedesse com facilidade à lírica camoniana desde que interpretada por mimos e marionetas do Chapitô. E que Eça alargaria o seu público se o elenco de Morangos com Açúcar encenasse uma adaptação dramatúrgica de A Relíquia (sob o título Fónix pá tia, man!). E que um álbum conceptual do Avô Cantigas recuperaria para as gerações vindouras os romances de José Cardoso Pires. Pelas crianças, tudo, ou elas não fossem o melhor do mundo, segundo escreveu Pessoa. Ou Bernardo Soares. Ou Ricardo Reis. Bem, o certo é que ouvi a frase a um rapper de Almada e achei-a o máximo."
Alberto Gonçalves
Admito não ter visto os graffiti nem o concerto. Mas estranho um bocadinho que o maior escritor português do século XX seja evocado através de umas garatujas na parede e da adaptação musical (?) de poemas de Álvaro de Campos por artistas do gabarito de (recorro à notícia) Melo D., Maze, Fuse, Raptor ou Rocky Marsiano. Felizmente, a directora da Casa, Inês Pedrosa, esclarece: a intenção é "atingir os mais jovens".
Nada tão claro. O gentil pressuposto em causa é o de que quanto mais jovem mais estúpido. Aparentemente, dadas as vicissitudes do tempo, um petiz não alcança nenhuma obra literária excepto se esta for arrancada com violência do seu habitat natural e degradada até ao limite do reconhecível. Adaptar Pessoa ao jovem médio implica que alguém, acompanhado por uma sanfona electrónica, grite as respectivas palavras para o microfone, de preferência com interjeições à mistura. Para o jovem de compreensão particularmente lenta, os rabiscos na parede bastam.
Sendo um pressuposto comum e, ao que se vê, eventualmente justo, não há razão para não alargar o método às celebrações de outros escritores. Imagino que a juventude acedesse com facilidade à lírica camoniana desde que interpretada por mimos e marionetas do Chapitô. E que Eça alargaria o seu público se o elenco de Morangos com Açúcar encenasse uma adaptação dramatúrgica de A Relíquia (sob o título Fónix pá tia, man!). E que um álbum conceptual do Avô Cantigas recuperaria para as gerações vindouras os romances de José Cardoso Pires. Pelas crianças, tudo, ou elas não fossem o melhor do mundo, segundo escreveu Pessoa. Ou Bernardo Soares. Ou Ricardo Reis. Bem, o certo é que ouvi a frase a um rapper de Almada e achei-a o máximo."
Alberto Gonçalves
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