sábado, junho 21, 2008

Sim ou não

O ‘não’ irlandês veio restituir uma salvaguarda de dignidade a um processo indigno”

Não sou sádico. Nem sequer, provavelmente, teria votado ‘não’, embora tivesse boas razões para o fazer. Mas os nossos iluminados e sempre vigilantes políticos cheios de prosápia e sobranceria (e mentindo-nos) entenderam por bem calar-nos. Não fosse o diabo tecê-las. Fizeram a vontade aos seus patrões europeus. Por leviandade, subserviência e desejo de mostrar serviço, varreram-nos do mapa. Não queriam que o cozinhado, que tantas horas os fizera passar na cozinha, e que apresentaram ao Mundo com pompa e circunstância, fosse estragado por uns pobretanas. Mas o diabo estava atrás da porta. Disfarçado de Constituição irlandesa, está agora a rebolar-se de gozo. Confesso. Soube-me bem o ‘não’ dos irlandeses. E não só por o Tratado ser uma mistela tão absurda e intragável, que até Vital Moreira, um anti-referendista convicto (embora por razões puramente elitistas, mascaradas de respeito pela democracia parlamentar), qualificou como "extremamente complexo", possuidor de "uma incontornável incompreensibilidade", com um "elevadíssimo grau de complexidade e dificuldade" e "uma intragável colecção de emendas de diplomas anteriores". Mas sobretudo pelo valor simbólico do ‘não’. Porque ele valeu como desagravo de todos quantos foram ilegitimamente im pedidos de exprimir os seus sentimentos e opiniões pelos líderes dos países da UE. Que, cegos pela sua omnipotência, não desdenharam o uso da força antidemocrática dos ínvios mecanismos da democracia. O ‘não’ salvou os resquícios da democracia na Europa e a dignidade de todos aqueles a quem foram recusados os mais elementares direitos de cidadania. Pretendessem eles votar ‘sim’ ou ‘não’. O ‘não’ irlandês veio restituir uma salvaguarda de dignidade a um processo profundamente indigno. Esta Europa que nos querem impingir é uma mistela, fruto dos pesadelos dos burocratas de Bruxelas e Estrasburgo. Aindanãotinhamsido anunciados oficialmente os resultados e já os habituais conspiradores do dirigismo político europeu tinham começado a sua campanha. Barroso afirmara, na véspera, não existir um plano ‘B’ para o ‘não’ irlandês. Era mentira. O plano ‘B’ existia e é muito simples. Fingir que nada se passou. Continuar com as ratificações fantoche. Conseguir o pleno das ratificações forjadas pelas comadres. E, depois, fazer a mais descarada das chantagens com os irlandeses. Que já começou. É a indignidade política da classe dirigente desta Europa mentirosa. Que deixou de pensar. E, sem rebuço, mostra a sua verdadeira face
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João Marques dos Santos

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