sábado, junho 21, 2008

A Europa e o referendo

"A Europa transformou-se na formulação pós-moderna do império, centralizado e com fronteiras incertas em processo de expansão.

E agora é o “não” da Irlanda ao Tratado de Lisboa. Enquanto a dúvida existencial se instala na Europa, a psicanálise da recusa corre ligeira com as explicações do costume. Primeiro, que o “não” irlandês é fruto da ineficácia de uma campanha política indigente no fervor pedagógico. Segundo, que a negativa ao Tratado de Lisboa resulta do comportamento irracional de um eleitorado demasiado emotivo. A soma dos argumentos atinge um entendimento nulo e ilude os limites da questão política central.

No mundo pós-europeu e pós-atlântico, a Europa necessita de uma integração política e institucional capaz de lhe conferir a dimensão natural compatível com uma ambição à escala global. A afirmação da Europa passa pela reformulação dos procedimentos internos de modo a aumentar a eficiência, a transparência e a celeridade das decisões. No entanto, com o alargamento a 27 Estados-membros, a Europa transformou-se na formulação pós-moderna do império, centralizado e com fronteiras incertas em processo de expansão. Nestas circunstâncias, e perante a dimensão geográfica e a divergência das experiências históricas, surge desde logo a questão – como poderá o grande império democrático garantir a justiça e promover a igualdade entre a múltipla diversidade de Estados-membros?

No imediato, a Europa vive a experiência do absurdo. O aprofundamento da integração exige que o reconhecimento do processo de decisão por maioria seja aprovado por unanimidade. No entanto, sem unanimidade não se consegue atingir o consenso da maioria. Esta situação paradoxal explica o falhanço da Constituição Europeia e justifica também o impasse na aprovação do Tratado de Lisboa.

Mas existe ainda a percepção de que, sempre que a Europa pretende a racionalização, acaba no bloqueio e na depressão. Em “A Ideia de Europa”, George Steiner relembra que um dos axiomas do velho Continente é precisamente um crepúsculo hegeliano, espécie de sombra que desce sobre a ideia e a substância da Europa e que se instala mesmo nas épocas mais luminosas. Numa alusão a William Blake, é ainda Steiner que afirma que o génio da Europa se encontra na “virtude de um minuto particular”, significando a diversidade linguística, cultural e social que transforma a mais trivial distância numa viagem entre mundos diferentes. Quando o voluntarismo político esquece o detalhe da história e ignora a prodigiosa riqueza de uma civilização, os povos da Europa dizem “não”
."

Carlos Marques de Almeida

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