segunda-feira, julho 28, 2008

Aldrabices e embustes

"Embuste e aldrabice têm o mesmo significado – mentira, patranha, ardil, etc. –, seja qual for o dicionário e independentemente de qualquer acordo ortográfico. E o seu significado é demasiado forte para que tais palavras possam ser utilizadas publicamente de forma leviana ou menos cuidada – seja no debate político, no meio dos negócios ou no discurso comum.

Acontece que, esta semana, José Sócrates veio atacar os «embustes» da esquerda conservadora e radical.

E Joe Berardo anunciou que vai interpor uma acção judicial contra os ex-administradores do BCP, pelas «aldrabices» que, na sua opinião, prejudicaram o banco e os seus accionistas, entre os quais se inclui – de tal forma que lhes exige, a título de indemnização, o pagamento de 700 milhões de euros.

Há um ano, ficaram para a posteridade as imagens de Berardo de braços no ar a cantar vitória em plena guerra de poder no BCP.

Uma guerra que cedo se percebeu não beneficiar ninguém com interesses no banco, muito menos os seus investidores e accionistas.

Mas Berardo, na altura, comportou-se como um guerrilheiro.

Especulador e investidor experiente – e de sucesso –, acabou por cair nas suas próprias armadilhas.

Os resultados do BCP divulgados esta semana, ainda que acima das expectativas mais pessimistas, são o reflexo inevitável do desvario de desgovernação em que as cúpulas do banco se enredaram. E para as quais Berardo deu um contributo activo.

A tentativa de responsabilização dos ex-administradores do BCP, agora e por isso, é quase incompreensível.

Ou não: Berardo perdeu milhões nos últimos meses. Ou está a perder. Ele e os seus financiadores – dependendo, claro, das operações que terão sido montadas e que o sigilo bancário não permite perceber e das garantias que estão em jogo e que a CMVM e o Banco de Portugal lá saberão quais são.

A pouco mais de um ano das eleições, Sócrates também faz contas à vida e sabe que não tem tarefa fácil pela frente.

Ainda há meses, o Governo rejubilava com o fim da crise orçamental e com o reequilíbrio das contas públicas e anunciava com gáudio que o país, por efeito dos inevitáveis sacrifícios que tinha imposto aos portugueses, estava blindado para conter os efeitos da crise internacional.

Ora, depois, foi o que se viu. E a crise – ou ‘abrandamento económico’ na expressão preferida pelo primeiro-ministro –, hoje, é o que se vê.

Tentou Sócrates – e o Governo – sacudir as responsabilidades e atribuir as culpas a factores externos. Com um argumentário que o FMI, num relatório que mais não disse do que o que já sabia, rapidamente desfez: os portugueses produzem de menos e consomem de mais.

Ou seja, a crise em Portugal não é conjuntural e externa, é estrutural e interna – pode é ser mais ou menos disfarçada conforme a conjuntura internacional.

E, a isso, o Governo pouco pode contrapor.

Mas tenta. À direita e à esquerda.

Como Berardo, Sócrates sabe que tem de investir para capitalizar o que lhe for possível. Como sabe que só reconquistará a maioria absoluta se conseguir segurar o eleitorado do centro sem hipotecar o da esquerda.

E por isso endurece o discurso. Por um lado, para a direita: recuperando a pesada herança do passado e responsabilizando os seus dirigentes pelo estado em que recebeu o país – mesmo passados três anos, a culpa continua a ser deles! –; por outro, para a esquerda ‘radical e conservadora’, que acusa de estar a atacar o Governo com um conjunto de «embustes» apenas para conquistar mais uns votos.

Ora, tanto no caso de Berardo como no de Sócrates – que tanto protestam contra as aldrabices –, é caso para perguntar na mesma linguagem imprópria: e os outros é que são os embusteiros?
"

MRamires

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