Crime ‘jacking’
"O aumento da probabilidade de um indivíduo vir a ser preso tem um maior efeito preventivo que o agravamento abstracto das penas.
Em vez de incêndios, este verão trouxe uma onda de crimes a Portugal. Bancos, postos de combustível, ourivesarias, farmácias, tribunais, automóveis (‘carjacking’) são assaltados com uma frequência a que o país não estava habituado. Até o Presidente falou sobre o tema.
Como explicar este aumento da criminalidade? Será que existe uma relação com a reforma penal feita há menos de um ano?
Recordo que o Código de Processo Penal foi alterado, com os votos da bancada socialista, para diminuir o recurso à prisão preventiva. Com as novas regras, só pode ser preso preventivamente quem tiver cometido um crime punível com prisão superior a 5 anos (antes era 3 anos), deixando de fora grande parte dos crimes contra as pessoas (sequestro, ofensas corporais, violência doméstica, pornografia de menores, etc.) e contra a propriedade (furto, dano, burla, extorsão, associação criminosa, tráfico de influência, posse de armas ilegais, etc.).
Só no dia em que a nova lei entrou em vigor da lei foram libertados 115 presos preventivos. Segundo o Observatório Permanente da Justiça, em menos de um ano, houve uma redução de 52% do número destes presos. A pequena e a média criminalidade foram excluídas da prisão preventiva, acentuando o seu carácter excepcional.
No plano dos princípios, num sistema penal eficaz, onde a justiça fosse rápida, estas alterações até podiam fazer sentido. Mas como isto não acontece, muitos dos autores de crimes permanecem longos anos em liberdade e, não raras vezes, reincidem na prática criminosa. Não deixa de ser curioso que o autor “material” destas polémicas alterações seja o ministro que mais tem sofrido com a actual onda de criminalidade.
Recordo que o actual MAI, Rui Pereira, foi o coordenador da Unidade de Missão que preparou esta reforma penal. Talvez seja esta uma das razões para o PSD pedir a sua demissão.
Mas o problema não é apenas legislativo.
Não existe em Portugal uma base de dados integrada de apoio à investigação criminal, partilhada por órgãos judiciais e policiais. Isso permite casos como a libertação de um perigoso cadastrado, fugido há 8 anos da prisão, após ter sido ouvido durante horas no Tribunal de Loures. Os sistemas de informáticos são amadores, prejudicando a investigação e o cumprimento dos prazos (e garantias) processuais.
Alguns exemplos. Os “inquéritos” abertos pelos órgãos policiais têm de voltar a ser inseridos manualmente pelos vários DIAP. A informação sobre o registo criminal pode demorar meses a chegar aos tribunais, o que pode impedir a realização de julgamentos sumários (art. 381.º CPP), após detenção em flagrante delito, tal como foi pedido pelo PGR. Em vez disso, os arguidos são libertados e podem ficar anos a aguardar julgamento.
Tudo isto acentua a sensação de fragilidade do Estado. Glosando o líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, temos um Estado que é forte com os fracos, mas fraco com os fortes. Mas será que o caminho é aumentar as penas de prisão?
Estudos existentes demonstram que a certeza da pena tem um efeito dissuasor mais elevado do que a respectiva severidade, ou seja, o aumento da probabilidade de um indivíduo vir a ser preso tem um maior efeito preventivo que o agravamento abstracto das penas.
O caminho, por isso, não passa por aumentar as penas mas em melhorar a eficácia na sua aplicação, dotando o sistema dos meios necessários, o que não tem acontecido, apesar da criação de um “super polícia” na dependência de um “silencioso” primeiro-ministro.
Nota: Esteve bem o PR ao vetar uma lei do divórcio que aproximava o casamento ao regime da “união de facto”, tornando-o num dos contratos mais precários do nosso sistema jurídico. A mensagem fundamentada de Belém apresenta bons argumentos para alterar a lei, protegendo a estabilidade familiar, o cônjuge “mais fraco” e os filhos menores. Espera-se, agora, bom senso por parte da bancada socialista."
Paulo Marcelo
Em vez de incêndios, este verão trouxe uma onda de crimes a Portugal. Bancos, postos de combustível, ourivesarias, farmácias, tribunais, automóveis (‘carjacking’) são assaltados com uma frequência a que o país não estava habituado. Até o Presidente falou sobre o tema.
Como explicar este aumento da criminalidade? Será que existe uma relação com a reforma penal feita há menos de um ano?
Recordo que o Código de Processo Penal foi alterado, com os votos da bancada socialista, para diminuir o recurso à prisão preventiva. Com as novas regras, só pode ser preso preventivamente quem tiver cometido um crime punível com prisão superior a 5 anos (antes era 3 anos), deixando de fora grande parte dos crimes contra as pessoas (sequestro, ofensas corporais, violência doméstica, pornografia de menores, etc.) e contra a propriedade (furto, dano, burla, extorsão, associação criminosa, tráfico de influência, posse de armas ilegais, etc.).
Só no dia em que a nova lei entrou em vigor da lei foram libertados 115 presos preventivos. Segundo o Observatório Permanente da Justiça, em menos de um ano, houve uma redução de 52% do número destes presos. A pequena e a média criminalidade foram excluídas da prisão preventiva, acentuando o seu carácter excepcional.
No plano dos princípios, num sistema penal eficaz, onde a justiça fosse rápida, estas alterações até podiam fazer sentido. Mas como isto não acontece, muitos dos autores de crimes permanecem longos anos em liberdade e, não raras vezes, reincidem na prática criminosa. Não deixa de ser curioso que o autor “material” destas polémicas alterações seja o ministro que mais tem sofrido com a actual onda de criminalidade.
Recordo que o actual MAI, Rui Pereira, foi o coordenador da Unidade de Missão que preparou esta reforma penal. Talvez seja esta uma das razões para o PSD pedir a sua demissão.
Mas o problema não é apenas legislativo.
Não existe em Portugal uma base de dados integrada de apoio à investigação criminal, partilhada por órgãos judiciais e policiais. Isso permite casos como a libertação de um perigoso cadastrado, fugido há 8 anos da prisão, após ter sido ouvido durante horas no Tribunal de Loures. Os sistemas de informáticos são amadores, prejudicando a investigação e o cumprimento dos prazos (e garantias) processuais.
Alguns exemplos. Os “inquéritos” abertos pelos órgãos policiais têm de voltar a ser inseridos manualmente pelos vários DIAP. A informação sobre o registo criminal pode demorar meses a chegar aos tribunais, o que pode impedir a realização de julgamentos sumários (art. 381.º CPP), após detenção em flagrante delito, tal como foi pedido pelo PGR. Em vez disso, os arguidos são libertados e podem ficar anos a aguardar julgamento.
Tudo isto acentua a sensação de fragilidade do Estado. Glosando o líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, temos um Estado que é forte com os fracos, mas fraco com os fortes. Mas será que o caminho é aumentar as penas de prisão?
Estudos existentes demonstram que a certeza da pena tem um efeito dissuasor mais elevado do que a respectiva severidade, ou seja, o aumento da probabilidade de um indivíduo vir a ser preso tem um maior efeito preventivo que o agravamento abstracto das penas.
O caminho, por isso, não passa por aumentar as penas mas em melhorar a eficácia na sua aplicação, dotando o sistema dos meios necessários, o que não tem acontecido, apesar da criação de um “super polícia” na dependência de um “silencioso” primeiro-ministro.
Nota: Esteve bem o PR ao vetar uma lei do divórcio que aproximava o casamento ao regime da “união de facto”, tornando-o num dos contratos mais precários do nosso sistema jurídico. A mensagem fundamentada de Belém apresenta bons argumentos para alterar a lei, protegendo a estabilidade familiar, o cônjuge “mais fraco” e os filhos menores. Espera-se, agora, bom senso por parte da bancada socialista."
Paulo Marcelo
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