O suicídio
"O território entre Bucareste e Baku será ou europeu ou russo. Eis uma questão que já começou a ser decidida.
Não restam dúvidas de que a invasão russa da Geórgia foi intensamente preparada durante todo o mês de Julho. As provas documentais são abundantes. De resto, dada a rapidez com que que a operação se processou, qualquer outra hipótese seria implausível. Tenho muito pouco interesse em examinar as acções do frívolo presidente georgiano ou dos seus generais, quase todos mais novos do que eu. O bombardeamento de Tskhinvali, um crime e um erro, foi sobretudo inútil.
Convém acrescentar que a tentação nesta altura é enorme de misturar as águas, apelar à confusão dos factos e nada fazer. Seria assim se esta fosse uma questão moral. Politicamente, o caso é outro. Nos anos trinta, políticos e populações em França e Inglaterra dividiram entre si a culpa de exibirem, em imprudentes manifestações de ansiedade e alívio, o quanto receavam a guerra. Hoje o mecanismo psicológico é sobretudo o receio do poder e do império. Putin espera que os europeus olhem para o caos e a barbárie a leste e decidam retirar.
Há outro facto, mais importante, sobre o qual não restam dúvidas: o território entre Bucareste e Baku será ou europeu ou russo. Eis uma questão que já começou a ser decidida. Há apenas um ano Parag Khanna dizia que garantir as artérias de petróleo e gás natural que correm do Cáspio e da Ásia Central exige a colonização europeia da Geórgia, Arménia e Azerbeijão. O processo de integração económica e cultural decorria mais ou menos alegremente e o resultado parecia inevitável. Esta semana vimos que em Moscovo o fim da história não era interpretado da mesma maneira. Foi ao processo de alargamento europeu que a invasão russa pretendeu pôr termo.
O que sucedeu? O que sucede sempre com esta Europa em que temos infelizmente de viver: hesitação, paralisia, uma vertiginosa ausência de inteligência e coragem. Sem qualquer explicação, a Turquia continuou a ser marginalizada. Mais recentemente, em Bucareste, os líderes francês e alemão deixaram cair as aspirações da Ucrânia e Geórgia. Foi o sinal de que Moscovo precisava. A situação é subitamente de acosso às actuais fronteiras europeias. Se há um ano era ainda possível falar de uma progressiva europeização das antigas repúblicas soviéticas, hoje é um ataque à Polónia, sugerido pelo influente general Nogovitsyn, que somos obrigados a discutir.
Reduzida às suas fronteiras actuais a Europa não pode sobreviver. Não sobreviverá a novas tensões militares, para as quais nunca se soube preparar. Não sobreviverá à extrema dependência energética em que se vai enredando. Embarcámos num suicídio colectivo. "
Bruno Maçães
Não restam dúvidas de que a invasão russa da Geórgia foi intensamente preparada durante todo o mês de Julho. As provas documentais são abundantes. De resto, dada a rapidez com que que a operação se processou, qualquer outra hipótese seria implausível. Tenho muito pouco interesse em examinar as acções do frívolo presidente georgiano ou dos seus generais, quase todos mais novos do que eu. O bombardeamento de Tskhinvali, um crime e um erro, foi sobretudo inútil.
Convém acrescentar que a tentação nesta altura é enorme de misturar as águas, apelar à confusão dos factos e nada fazer. Seria assim se esta fosse uma questão moral. Politicamente, o caso é outro. Nos anos trinta, políticos e populações em França e Inglaterra dividiram entre si a culpa de exibirem, em imprudentes manifestações de ansiedade e alívio, o quanto receavam a guerra. Hoje o mecanismo psicológico é sobretudo o receio do poder e do império. Putin espera que os europeus olhem para o caos e a barbárie a leste e decidam retirar.
Há outro facto, mais importante, sobre o qual não restam dúvidas: o território entre Bucareste e Baku será ou europeu ou russo. Eis uma questão que já começou a ser decidida. Há apenas um ano Parag Khanna dizia que garantir as artérias de petróleo e gás natural que correm do Cáspio e da Ásia Central exige a colonização europeia da Geórgia, Arménia e Azerbeijão. O processo de integração económica e cultural decorria mais ou menos alegremente e o resultado parecia inevitável. Esta semana vimos que em Moscovo o fim da história não era interpretado da mesma maneira. Foi ao processo de alargamento europeu que a invasão russa pretendeu pôr termo.
O que sucedeu? O que sucede sempre com esta Europa em que temos infelizmente de viver: hesitação, paralisia, uma vertiginosa ausência de inteligência e coragem. Sem qualquer explicação, a Turquia continuou a ser marginalizada. Mais recentemente, em Bucareste, os líderes francês e alemão deixaram cair as aspirações da Ucrânia e Geórgia. Foi o sinal de que Moscovo precisava. A situação é subitamente de acosso às actuais fronteiras europeias. Se há um ano era ainda possível falar de uma progressiva europeização das antigas repúblicas soviéticas, hoje é um ataque à Polónia, sugerido pelo influente general Nogovitsyn, que somos obrigados a discutir.
Reduzida às suas fronteiras actuais a Europa não pode sobreviver. Não sobreviverá a novas tensões militares, para as quais nunca se soube preparar. Não sobreviverá à extrema dependência energética em que se vai enredando. Embarcámos num suicídio colectivo. "
Bruno Maçães
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