Também há dramas reais.
"A economia real, que condiciona diariamente milhões de portugueses reais, apresenta sinais evidentes de múltiplas anemias.
Segundo as autoridades governamentais e financeiras nacionais, o grau de exposição das instituições portuguesas à crise financeira internacional, nomeadamente à crise do ‘sub-prime’, não foi susceptível de provocar consequências suficientemente perturbadoras e preocupantes sobre a economia real nacional. Qual é o drama? O drama ainda pouco explorado é que os factores que contribuem para a instabilidade da componente financeira da economia e aqueles que condicionam a economia real desenvolvem efeitos multiplicadores que se alimentam mutuamente. Neste momento, não é possível nem aceitável continuar a defender que os efeitos da crise financeira terão reflexos pouco significativos na componente real da economia. Utilizarei um exemplo cada vez mais comum de uma componente do mercado imobiliário português para tentar mostrar a necessidade de rapidamente encontrarem soluções para um problema que poderá minar os já fracos níveis de coesão económica e social do nosso país.
Imagine que o leitor pertence à classe média ou média baixa e que há quatro ou cinco anos fez um empréstimo de 85000 euros a 40 anos para compra de habitação própria. Como as perspectivas de valorização deste produto eram muito favoráveis alguém lhe avalia a casa no valor necessário para que o banco lhe conceda um empréstimo de 90% do valor da avaliação, valor necessário para a compra do imóvel. Encontra um fiador para o efeito (geralmente os pais ou familiares) e faz o contrato com a instituição bancária. Passam-se quatro ou cinco anos e o leitor tem o azar de sofrer alguns revezes da economia real: você ou alguém do seu agregado familiar perde o emprego, os seus rendimentos reais não crescem de acordo com a inflação, o sector de actividade onde trabalha está a passar por uma reestruturação, os bens de consumo e os transportes aumentam, etc.
O leitor está a passar um mau bocado. A reflexividade (usando o termo na concepção de George Soros) entre componente real e financeira da sua economia entra em roda livre. Dirige-se ao banco e as mesmas pessoas que três ou quatro anos antes o fizeram sentir-se especial aquando da concessão do seu empréstimo dizem-lhe agora, com igual simpatia, que nada podem fazer sobre o assunto. A criatividade e a solicitude da instituição onde colocava as suas economias esfumou-se como que por magia (negra).
Finalmente já não tem outra escolha; quase desesperado começa a pensar em vender a casa uma vez que não lhe é possível continuar a manter os encargos relativos à mesma. Coloca a casa à venda e descobre que o momento não está favorável para vender (se olharmos com suficiente atenção parece que todo o país está à venda, embora se continue a construir alegremente). Confirmam-lhe aliás que nada será como dantes. Inicialmente você não acredita. Contudo, agora os bancos apenas concedem empréstimos num máximo de 80% do valor do imóvel e parece que todos os avaliadores foram substituídos por outros com miopia imobiliária. Acresce que como você comprou o imóvel há relativamente pouco tempo (face ao prazo do empréstimo) cerca de 80% do valor das prestações mensais que já entregou ao banco foram para o pagamento de juros. Na verdade e para abreviar, o que esta conjugação de factores significa é que se você tentar vender o seu imóvel neste momento dificilmente encontrará uma avaliação que permita que um banco empreste ao futuro comparador o valor que ainda tem em dívida. Sim, é isso mesmo, neste momento a sua preocupação será apenas a de resolver a dívida com a sua instituição bancária. Por outro lado, deixe-me que lhe diga caro leitor, que se é fiador de alguém acho que se deve começar realmente a preocupar!
A economia real, que condiciona diariamente milhões de portugueses reais, apresenta sinais evidentes de múltiplas anemias. O que se sugere é que da mesma forma que se tomaram medidas que ajudaram a amortecer as dificuldades na esfera financeira é preciso compreender até onde estão dispostas a ir as autoridades nacionais e internacionais para igualmente suavizarem as consequências na economia real e nas pessoas que são pelo menos tão reais quanto os mercados financeiros. Se a divindade do mercado não teve capacidade, por si própria, para fechar a caixa de Pandora que criou na esfera financeira seria realmente dramático que não se actuasse na esfera real da economia com a mesma rapidez com que sem qualquer tipo de pudor as instituições nacionais e internacionais intervieram na esfera financeira (nacionalizando bancos e injectando liquidez nos mercados). "
Sérgio Leal Nunes
Segundo as autoridades governamentais e financeiras nacionais, o grau de exposição das instituições portuguesas à crise financeira internacional, nomeadamente à crise do ‘sub-prime’, não foi susceptível de provocar consequências suficientemente perturbadoras e preocupantes sobre a economia real nacional. Qual é o drama? O drama ainda pouco explorado é que os factores que contribuem para a instabilidade da componente financeira da economia e aqueles que condicionam a economia real desenvolvem efeitos multiplicadores que se alimentam mutuamente. Neste momento, não é possível nem aceitável continuar a defender que os efeitos da crise financeira terão reflexos pouco significativos na componente real da economia. Utilizarei um exemplo cada vez mais comum de uma componente do mercado imobiliário português para tentar mostrar a necessidade de rapidamente encontrarem soluções para um problema que poderá minar os já fracos níveis de coesão económica e social do nosso país.
Imagine que o leitor pertence à classe média ou média baixa e que há quatro ou cinco anos fez um empréstimo de 85000 euros a 40 anos para compra de habitação própria. Como as perspectivas de valorização deste produto eram muito favoráveis alguém lhe avalia a casa no valor necessário para que o banco lhe conceda um empréstimo de 90% do valor da avaliação, valor necessário para a compra do imóvel. Encontra um fiador para o efeito (geralmente os pais ou familiares) e faz o contrato com a instituição bancária. Passam-se quatro ou cinco anos e o leitor tem o azar de sofrer alguns revezes da economia real: você ou alguém do seu agregado familiar perde o emprego, os seus rendimentos reais não crescem de acordo com a inflação, o sector de actividade onde trabalha está a passar por uma reestruturação, os bens de consumo e os transportes aumentam, etc.
O leitor está a passar um mau bocado. A reflexividade (usando o termo na concepção de George Soros) entre componente real e financeira da sua economia entra em roda livre. Dirige-se ao banco e as mesmas pessoas que três ou quatro anos antes o fizeram sentir-se especial aquando da concessão do seu empréstimo dizem-lhe agora, com igual simpatia, que nada podem fazer sobre o assunto. A criatividade e a solicitude da instituição onde colocava as suas economias esfumou-se como que por magia (negra).
Finalmente já não tem outra escolha; quase desesperado começa a pensar em vender a casa uma vez que não lhe é possível continuar a manter os encargos relativos à mesma. Coloca a casa à venda e descobre que o momento não está favorável para vender (se olharmos com suficiente atenção parece que todo o país está à venda, embora se continue a construir alegremente). Confirmam-lhe aliás que nada será como dantes. Inicialmente você não acredita. Contudo, agora os bancos apenas concedem empréstimos num máximo de 80% do valor do imóvel e parece que todos os avaliadores foram substituídos por outros com miopia imobiliária. Acresce que como você comprou o imóvel há relativamente pouco tempo (face ao prazo do empréstimo) cerca de 80% do valor das prestações mensais que já entregou ao banco foram para o pagamento de juros. Na verdade e para abreviar, o que esta conjugação de factores significa é que se você tentar vender o seu imóvel neste momento dificilmente encontrará uma avaliação que permita que um banco empreste ao futuro comparador o valor que ainda tem em dívida. Sim, é isso mesmo, neste momento a sua preocupação será apenas a de resolver a dívida com a sua instituição bancária. Por outro lado, deixe-me que lhe diga caro leitor, que se é fiador de alguém acho que se deve começar realmente a preocupar!
A economia real, que condiciona diariamente milhões de portugueses reais, apresenta sinais evidentes de múltiplas anemias. O que se sugere é que da mesma forma que se tomaram medidas que ajudaram a amortecer as dificuldades na esfera financeira é preciso compreender até onde estão dispostas a ir as autoridades nacionais e internacionais para igualmente suavizarem as consequências na economia real e nas pessoas que são pelo menos tão reais quanto os mercados financeiros. Se a divindade do mercado não teve capacidade, por si própria, para fechar a caixa de Pandora que criou na esfera financeira seria realmente dramático que não se actuasse na esfera real da economia com a mesma rapidez com que sem qualquer tipo de pudor as instituições nacionais e internacionais intervieram na esfera financeira (nacionalizando bancos e injectando liquidez nos mercados). "
Sérgio Leal Nunes
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