segunda-feira, setembro 29, 2008

HELSÍNQUIA TECH

"Embora deteste regressar a textos próprios, não tenho culpa de que um finlandês resolvesse repetir o acto do seu compatriota que, há perto de um ano, matou oito pessoas numa escola. Na altura, lembrei aqui a criminalidade da Finlândia (das maiores do Ocidente), a taxa de homicídios local (das maiores da Europa), a proporção de armas por habitante (das maiores do mundo) e a abundante generosidade do seu sistema penal.

Aparentemente, estes pormenores não contam. Sempre que um moço indígena entende metralhar quem lhe surge à frente, a tragédia é recebida com inaugural espanto. Agora que o sr. Saari despachou dez infelizes, toda a gente ficou tão atarantada quanto em 2007, a perguntar-se o que justifica semelhante crime num lugar em que nada justifica o crime. "Como foi possível no país modelo?", perguntava o Público na primeira página.

Curioso. Se alguma coisa comparável acontece nos EUA, o espanto é nulo e a justificação imediata. Num instante irrompem peritos a descrever, com inequívoco gozo, a violência e a "cultura da morte" que estruturam a sociedade norte-americana, ainda que o autor do maior massacre do género (o da universidade Virginia Tech) tenha sido um coreano de passagem.

Já no paraíso "social" que inspira meio mundo, do eng. Sócrates ao dr. Louçã, o facto de as pessoas se matarem e agredirem com intensidade comparável nunca remete para a violência. Especialistas aflitos tentaram em vão perceber se os finlandeses se matam por tédio, ou por excesso de conforto, ou por melancolia resultante da prosperidade, ou por desmesurada bondade, etc. No caso americano, o contexto explica de imediato. No caso finlandês, o contexto torna inviável a explicação.

O ideal, pois, é trocar de contexto, e felizmente houve uma ou duas almas esclarecidas que imputaram as chacinas finlandesas à "imitação", leia-se a imitação do que acontece nos EUA. Em suma, a culpa, como afinal não poderia deixar de ser, é da América e da sua temível "cultura de morte". Assim ficamos todos muito mais descansados: eu, você, os especialistas, o eng. Sócrates, o dr. Louçã e a maravilhosa mas algo influenciável Finlândia
."

Alberto Gonçalves

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