Sementes de violência
"Só quem tenha andado distraído se pode ter deixado surpreender com o recente surto de criminalidade violenta.
A esperada quietude do Verão foi sobressaltada por um surto de criminalidade violenta, que parece ter deixado muita gente desorientada, como se de um inesperado cataclismo natural se tratasse. Por mais que se tente evadir o problema com exercícios de sofística, a verdade é que a insegurança tem vindo a aumentar de forma bem sensível. E não se trata apenas de um fenómeno do Verão, mas de um caminho que tem vindo a ser percorrido desde há muito tempo e que irá continuar.
Para lembrar que o fenómeno não é novo, permito-me recordar que, já em Fevereiro, a SEDES, numa tomada de posição pública, referia que: “A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. É certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência. Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade”.
Por isso, só quem tenha andado distraído se pode ter deixado surpreender com o recente surto de criminalidade violenta. E já só tenho dúvidas sobre se ainda é legítimo aplicar-nos o qualificativo de relativa segurança. Depende obviamente do padrão de comparação.
Há em todo este crescendo causas que nos transcendem. Por um lado, a cultura dominante no Ocidente tem vindo a promover a estética da violência, na cinematografia, na música, na banda desenhada, nos jogos electrónicos, etc. Num contexto moral que oscila entre o relativismo e a amoralidade, a promoção de uma tal estética acaba por incentivar uma “ética da violência” (“se é belo, é bom”!), favorecendo o crescente recurso a meios violentos, como algo que é ‘cool’.
Por outro lado, o crime organizado tornou-se numa indústria mundial de sucesso, sofisticada nos meios, e em crescimento. E a permeabilidade das fronteiras – justificadamente criada para facilitar a vida das pessoas – tem favorecido a circulação de criminosos, em busca de “novos mercados”, nomeadamente nas sociedades habituadas a viver com a pouca expressão dessas actividades e, por isso, menos preparadas para as enfrentar.
Mas há também causas internas, resultantes de um forte enviesamento cultural, que, ao longo das últimas décadas, tem predominado na comunicação e na opinião publicada, entre largas camadas intelectuais e entre os próprios jornalistas e que tem ajudado a desequilibrar o quadro de valores essenciais para o funcionamento de uma sociedade razoavelmente ordenada.
Tal enviesamento manifesta-se na sistemática desvalorização da autoridade e do seu papel na manutenção da ordem pública, na complacência aprioristicamente estendida aos prevaricadores (e contrastante com indiferença sobre a sorte da vítimas de crimes, sobretudo quando são polícias) e num multiculturalismo radical que tende a confundir marginalidade pura com especificidades culturais e destruição de património como “arte efémera”.
E é especialmente visível na forma como a comunicação social – em particular quando há directos televisivos – normalmente relata os crimes e que acaba frequentemente por inverter os papéis entre vítimas e vilões. O que os prevaricadores já perceberam muito bem, usando sabiamente o palco oferecido para reforçar a inversão de papéis e ganhar a simpatia do público incauto.
Em cima disto tudo tem funcionado uma incompreensível tolerância das autoridades para com a prevaricação que, começando em formas aparentemente incipientes, rapidamente alastra para a criminalidade recorrente. O estado a que se deixou chegar o Bairro Alto é bom exemplo disso. E, depois, temos a conhecida situação da justiça e, provavelmente, uma desadequação das molduras penais em vigor, e da sua hierarquia, aos subjacentes desvalores sociais e respectiva hierarquia. E – mas isso daria pano para “muitas mangas” – o desfiar do tecido social e consequente enfraquecer da coesão que, de há muito, vem ocorrendo à nossa volta sem que institucionalmente se lhe dê a devida conta.
Isto não explica tudo, mas explica certamente muito do caldo de cultura que levou à situação em que nos encontramos. E que, obviamente, não vai desaparecer por milagre. Apesar das operações stop contra o excesso de álcool."
Vítor Bento
A esperada quietude do Verão foi sobressaltada por um surto de criminalidade violenta, que parece ter deixado muita gente desorientada, como se de um inesperado cataclismo natural se tratasse. Por mais que se tente evadir o problema com exercícios de sofística, a verdade é que a insegurança tem vindo a aumentar de forma bem sensível. E não se trata apenas de um fenómeno do Verão, mas de um caminho que tem vindo a ser percorrido desde há muito tempo e que irá continuar.
Para lembrar que o fenómeno não é novo, permito-me recordar que, já em Fevereiro, a SEDES, numa tomada de posição pública, referia que: “A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. É certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência. Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade”.
Por isso, só quem tenha andado distraído se pode ter deixado surpreender com o recente surto de criminalidade violenta. E já só tenho dúvidas sobre se ainda é legítimo aplicar-nos o qualificativo de relativa segurança. Depende obviamente do padrão de comparação.
Há em todo este crescendo causas que nos transcendem. Por um lado, a cultura dominante no Ocidente tem vindo a promover a estética da violência, na cinematografia, na música, na banda desenhada, nos jogos electrónicos, etc. Num contexto moral que oscila entre o relativismo e a amoralidade, a promoção de uma tal estética acaba por incentivar uma “ética da violência” (“se é belo, é bom”!), favorecendo o crescente recurso a meios violentos, como algo que é ‘cool’.
Por outro lado, o crime organizado tornou-se numa indústria mundial de sucesso, sofisticada nos meios, e em crescimento. E a permeabilidade das fronteiras – justificadamente criada para facilitar a vida das pessoas – tem favorecido a circulação de criminosos, em busca de “novos mercados”, nomeadamente nas sociedades habituadas a viver com a pouca expressão dessas actividades e, por isso, menos preparadas para as enfrentar.
Mas há também causas internas, resultantes de um forte enviesamento cultural, que, ao longo das últimas décadas, tem predominado na comunicação e na opinião publicada, entre largas camadas intelectuais e entre os próprios jornalistas e que tem ajudado a desequilibrar o quadro de valores essenciais para o funcionamento de uma sociedade razoavelmente ordenada.
Tal enviesamento manifesta-se na sistemática desvalorização da autoridade e do seu papel na manutenção da ordem pública, na complacência aprioristicamente estendida aos prevaricadores (e contrastante com indiferença sobre a sorte da vítimas de crimes, sobretudo quando são polícias) e num multiculturalismo radical que tende a confundir marginalidade pura com especificidades culturais e destruição de património como “arte efémera”.
E é especialmente visível na forma como a comunicação social – em particular quando há directos televisivos – normalmente relata os crimes e que acaba frequentemente por inverter os papéis entre vítimas e vilões. O que os prevaricadores já perceberam muito bem, usando sabiamente o palco oferecido para reforçar a inversão de papéis e ganhar a simpatia do público incauto.
Em cima disto tudo tem funcionado uma incompreensível tolerância das autoridades para com a prevaricação que, começando em formas aparentemente incipientes, rapidamente alastra para a criminalidade recorrente. O estado a que se deixou chegar o Bairro Alto é bom exemplo disso. E, depois, temos a conhecida situação da justiça e, provavelmente, uma desadequação das molduras penais em vigor, e da sua hierarquia, aos subjacentes desvalores sociais e respectiva hierarquia. E – mas isso daria pano para “muitas mangas” – o desfiar do tecido social e consequente enfraquecer da coesão que, de há muito, vem ocorrendo à nossa volta sem que institucionalmente se lhe dê a devida conta.
Isto não explica tudo, mas explica certamente muito do caldo de cultura que levou à situação em que nos encontramos. E que, obviamente, não vai desaparecer por milagre. Apesar das operações stop contra o excesso de álcool."
Vítor Bento
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