terça-feira, outubro 07, 2008

Plano Paulson do irrealismo ao surrealismo

Os legisladores americanos produziram uma versão corrigida do Plano Paulson.
A lei tem todos os ingredientes para falhar nos objectivos, enganar eleitores e contribuintes e enriquecer agentes financeiros.
Parte destes, pertenceu ao núcleo duro dos causadores da maior crise financeira depois da Grande Depressão.
Para tentar evitar uma recessão, em casa e no resto do mundo, os congressistas deram a Henry Paulson o secretário das Finanças, amplos poderes para criar o maior fundo soberano do planeta - USD 700 mil milhões/bilhões (mm/bi).
Nada acontecerá de substancial até daqui a seis semanas.
Depois de 4 de Novembro, dia da eleição do substituto do presidente Bush, os futuros gestores de activos do novo fundo deverão começar a sua missão - comprar o crédito mal parado, e toda a sorte de incobráveis, que afecta os balanços das instituições financeiras para ressuscitar mercados em coma ou anémicos.
Uma análise rápida permite detectar várias contradições e iniquidades.
A ficção financeira supera largamente a realidade político-económica.
Vejamos porquê.

A Lei - O texto legislativo pretende que os novos Midas façam aquilo que o mercado se recusou a fazer - dar um valor concreto aos títulos de dívida que entopem os balanços dos bancos, mas que ninguém quer comprar. O legislador estipula que o governo deve criar “mecanismos adequados” que evitem “conflitos de interesses” nas decisões sobre os activos a comprar e respectivas transacções.
O Congresso deu ao secretário Paulson o poder para seleccionar os gestores e as empresas (privadas) a quem será outorgada a tarefa de criar este mercado artificial.
A idéia assenta na criação de um aterro sanitário para lixo tóxico a partir do qual, “logo que a estabilidade regresse aos mercados”, poderão voltar a ser comercializados “pelo seu justo valor” os “activos stressados”.
O texto elenca um vasto conjunto de intenções: “proteger os interesses dos contribuintes”, “ajudar as famílias a evitar acções de despejo”, impedir o “colapso dos mercados” e reactivar “mercados paralisados”.
As regras do jogo serão ditadas pelo Sr. Paulson e respectivos lugares-tenentes.

O Modelo de Gestão - Embora ainda não seja conhecido, as várias fontes da imprensa norte-americana que consultámos indicam que o escopo central do conceito assentará no princípio do “outsourcing”.
O governo escolherá, em condições e regimes a definir, uma dúzia de empresas privadas especializadas na gestão de activos. A elas caberá a tarefa de gerir as várias tranches do fundos. A primeira fase do programa envolve USD 250 mm/bi.
As empresas seleccionadas receberão comissões de 1% sobre os activos transsaccionados.
Os volumes serão apreciáveis e poderão variar segundo as leis do mercado.
As empresas BlackRock, PIMCO, Legg Mason e MKP Capital Management, são “fortes candidatos“, segundo o Washington Post.

O Modelo de Negócio - Os leilões deverão ser a plataforma escolhida.
Em função dos produtos envolvidos serão feitas as adaptações para operacionalizar os negócios. O preço final é determinado em função da procura.
Teoricamente, quanto maior o número de instituições potencialmente compradoras, mais alto será o valor final dos activos à venda.
As dinâmicas serão perversas e contraditórias.
A compra a preços baixos será interpretada como protecção dos interesses dos contribuintes; Esta estratégia obrigará os bancos à contabilização de prejuízos substanciais contariando um dos objectivos do programa - criar os mecanismos para que a banca se capitalize; Se, pelo contrário, o preço a pagar pelo “lixo tóxico” for próximo do fair value - valor justo - estimado pelos contabilistas da banca, os recursos públicos a desembolsar pelo Estado - dinheiro dos contribuintes - servirão para premiar a especulação e a incompetência dos banqueiros na gestão do risco.
A fixação do preço será o indicador chave para determinar quem o comprador (Estado) vai beneficiar: os vendedores (bancos, fundos, etc.) ou os pagantes finais (contribuintes).
Nesta dinâmica será interessante analisar a intervenção dos hedge funds cuja postura especulativa tenderá a contrariar os interesses dos bancos, forçando a baixa dos preços de compra para ganhar na margem de venda dos “activos tóxicos”.

Os Conflitos de Interesses - Os gestores escolhidos pelo Sr. Paulson ditarão quem vai ganhar ou perder neste processo de reavaliação dos activos.
As pressões dos diversos interesses em presença serão gigantescas.
Entre as muitas dúvidas e interrogações é obrigatório referir uma: como é possível conciliar interesses públicos com interesses privados?
Um gestor privado de activos - cuja obrigação é a de maximizar os proveitos para os seus clientes - será o melhor agente para operacionalizar a venda activos contaminados ao Estado para, posteriormente, este os revender com lucro, não se sabe quando, nem a quem?
A idéia é peregrina. “Comprar gato por lebre, para revender faisão? Cadê o gato?” - pergunta o carioca…
A margem para manipulação dos preços é enorme. O poder de decisão estará nas mãos dos operadores privados.
Começam a sentir-se reacções dos investidores interessados nos leilões. Segundo eles, as empresas de gestão de activos têm a faca e o quijo na mão para favorecer os interesses dos seus accionistas e clientes.
Neste quadro, referem as ligações da Pimco à seguradora alemã Allianz e da BlackRock ao Merrill Lynch.
O mercado aguarda com expectativa a publicação pelo Tesouro estadunidense do código de conduta, da política de gestão dos conflitos de interesses e do plano de remunerações.

A Equipa - Henry Paulson escolheu um conjunto de antigos quadros da Goldman Sachs, o ex-banco de investimento a que presidiu antes de assumir o actual cargo: Edward Forst, gestor de topo da Goldman e vice-presidente da Universidade de Harvard, Kendrick R. Wilson III, antigo presidente das instituições financeiras controladas pelo Goldman bem como o ex-director financeiro adjunto, Dan Jester.
A equipa inclui também meia dúzia de altos quadros do Departamento do Tesouro - Kevin Fromer, Kenneth Carfine, Peter McCarthy, Phillip Swagel, Neel Kashkari e David Nason.
Conhecidas as boas ligações do Sr. Paulson à classe dirigente de Pequim, a China, através do seu bilionário fundo soberano China Investment Corporation (CIC), poderá ser um dos investidores privilegiados.
"Lei irrealista, missão impossível"
MRA Dep. Data Mining
Pedro Varanda de Castro, Consultor

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