terça-feira, outubro 07, 2008

Um País a Islândia como exemplo para entender

O primeiro-ministro islandês Geir Haarde admitiu ontem que toda a banca da Islândia pode entrar em colapso e alertou a população para se preparar para o pior, durante uma sombria intervenção televisiva.
Haarde frisou que o desmoronamento da banca levará ao colapso total da economia e à falência do próprio Estado.
Caso se mantenha o nervosismo, o país pode ser, dentro de alguns dias, uma ilha na bancarrota, alertou.
Na tentativa de controlar danos e prevenir riscos, o parlamento aprovou um plano de emergência que suspendeu as cotações dos bancos islandeses na bolsa de valores de Reykjavik.
O Estado passou a controlar todas as decisões do sector bancário privado.
A Islândia, com uma população de apenas 313 mil habitantes, apesar de ser um dos países mais ricos do mundo, está à beira da ruptura devido ao peso do sector financeiro na economia e à irresponsabilidade dos banqueiros do país em manobras especulativas.
Nos últimos dez anos, o recurso a agressivas políticas de endividamento, através de bilionários empréstimos em países com taxas de juro muito baixas (Japão, por exemplo), os banqueiros e empreendores islandeses adquiriram activos no estrangeiro e internacionalizaram a economia da ilha.
Só o sector financeiro representava, em Setembro último, oito vezes o PIB nacional.
Bancos, fundos de investimento, hotéis, centros comerciais e cadeias de retalho em vários países da Europa, Américas e Ásia passaram a ostentar marcas islandesas.
As operações, fortemente alavancadas com instrumentos derivativos de crédito, geraram um boom artificial e insustentável.
A implosão do mercado hipotecário norte-americano, e o aperto global do crédito que se lhe seguiu, marcou o príncípio do fim das aventuras financeiras vikings. Em 2006, o défice externo era 1/4 do PIB nacional.
Em 2007, voltou a crescer mais 17%.
A dívida líquida externa de curto prazo era 15 vezes superior ao total das reservas monetárias do banco central da Islândia, e 2 vezes superior ao PIB.
A mesma dívida, mas de longo prazo, era 350% superior à riqueza nacional.
Nos balanços dos bancos islandeses, em Dezembro de 2007, o total dos activos contabilizados era 10 vezes superior ao PIB.
Os excessos foram agravados com a privatização da banca em 2000. A gestão bancária caiu nas mãos de yuppies, sem experiência no sector, e de fundamentalistas das teorias económicas laissez-faire protagonizadas pelo economista norte-americano, Milton Friedman.
O concubinato entre banqueiros e governantes ultra liberais, então no poder, encarregou-se do resto.
A ausência de regulação e de regras prudenciais ditaram a falência do modelo islandês.
O país transformou-se num verdadeiro hedge fund onde a orgia especulativa não conheceu limites.
A ausência de riqueza nacional, suficiente para cobrir a especucalção meramente financeira, está agora a sentir-se.
A moeda nacional - krona - perdeu metade do valor desde Janeiro.
A inflação caminha aceleradamente para os 20%. Agora, o governo encara a possibilidade de controlar totalmente o sector financeiro, após ter nacionalizado parcialmente o banco Glitnir com uma injecção de EUR 600 milhões e assumido o controlo de 75% do capital.
Num mundo onde o crédito é crescentemente escasso e caro, sem o apoio de outros países e de organizações financeiras multilaterais, será difícil evitar o colapso das finanças públicas islandesas.
Depois da festa da dívida, a ressaca da conta.
A Islândia ficará na história como o primeiro país subprime do mundo.
MRA Dep. Data Mining
Mais um excelente artigo deste site e do meu amigo de sempre, PVC.
“O colapso dos mercados globais seria um acontecimento traumático de consequências inimagináveis. Contudo, é um cenário mais fácil de imaginar do que a continuação da situação vigente”
George Soros 1995

As origens da catástrofe assentam no objectivo utópico do liberalismo económico de criar um sistema de mercado auto-regulado.
Karl Polanyi

“Um mercado único global será provavelmente a forma final do projecto iluminista de criação de uma civilização universal.
Não se trata da única variante desse projecto que foi tentada num século carregado de falsas utopias.
A antiga União Soviética corporizava uma utopia iluminista rival, a de uma civilização na qual os mercados eram substituídos pelo planeamento central.
Os custos humanos dessa utopia foram incalculáveis.
Perderam-se milhões de vidas através do terror totalitário, bem como da corrupção sem limites e da degradação ambiental apocalíptica.
O projecto soviético cobrou um preço incomensurável em sofrimento humano – contudo falhou a sua promessa de modernização da Rússia.
Na altura da extinção da era soviética, a Rússia estava, em alguns aspectos, mais. longe da modernidade do que no final do tempo dos czares.
A utopia do mercado livre global não envolveu tantos custos humanos como o comunismo. Contudo, ao longo do tempo poderá vir a infligir um sofrimento semelhante.
Já transformou mais de 100 milhões de camponeses chineses em trabalhadores migrantes (dados de 1998), provocou a exclusão social de dezenas de milhões de pessoas nas sociedades avançadas, lançou partes do mundo pós-comunista numa quase anarquia, deixando-as à mercê do crime organizado, e continuou a devastar o meio ambiente.

Estas utopias têm em comum o fundamental e não as diferenças.

Acaso ou estratégia programada há muito?

“A estrada para o mercado livre foi aberta e mantida desimpedida por um enorme aumento de intervencionismo contínuo, organizado centralmente e controlado”
Karl Polanyi
1944
Toupeira

Pedro Varanda de Castro, Consultor

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