O poder do euro
"Se a moeda do seu país tiver actualmente estatuto de reserva global, é muito provável que, no futuro, o volte a ter.
Sabemos que a crise do crédito é uma ameaça real à economia global. Porém, é muito provável que o seu mais importante legado a longo prazo não seja económico e sim geopolítico.
Li recentemente uma análise dos professores Menzie Chinn, da Universidade do Winsconsin, e Jeffrey Frankel, da Universidade de Harvard (consultar www.voxeu.org), que me alertou para essa possibilidade. A sua análise tem por base uma simulação, na qual o euro substitui o dólar enquanto principal reserva monetária mundial nos próximos 10 ou 15 anos, e não a presente crise. No entanto, a crise pode muito bem vir a acelerar as tendências identificadas nesta análise.
Não pense o leitor que se trata de propaganda anti-dólar. Os professores Chinn e Frankel partem, aliás, da noção oposta, ou seja, defendem que o euro não se vai manter mais forte do que o dólar por muito tempo. E por uma razão muito simples: o mundo não muda de reservas monetárias com grande frequência.
A libra esterlina ocupou a ‘pole position’ até à II Guerra Mundial e perdeu esse estatuto devido ao esforço para manter o seu império. Nos anos de 1870, a economia norte-americana já tinha ultrapassado a economia do Reino Unido. A inexistência de um sector financeiro sofisticado foi uma das razões por que o dólar levou mais tempo a afirmar-se, dado aquele só se ter começado a desenvolver a partir de 1913, com a criação do Sistema da Reserva Federal.
O estatuto de reserva monetária global releva de todo um conjunto de factores, como a dimensão da economia, a quota do comércio internacional e a profundidade dos mercados financeiros. A inércia é outro factor. Se a moeda do seu país tiver actualmente estatuto de reserva global, é muito provável que, no futuro, o volte a ter.
Os professores Chinn e Frankel citam duas razões subjacentes para o declínio do papel internacional do dólar americano. A primeira respeita ao persistente défice comercial combinado com a prolongada queda da taxa de câmbio do dólar – quiçá sintoma de final do império. A segunda remete para a emergência de uma genuína alternativa ao dólar – o euro. Com efeito, a dimensão da economia da zona euro é quase igual à dos EUA e pode vir a ultrapassá-la mantendo-se a actual política de alargamento. Londres é, por excelência, o centro financeiro da zona euro, apesar de o Reino Unido não ter adoptado a moeda única. Acresce que os mercados europeus de obrigações são hoje tão profundos e líquidos quanto os seus homólogos norte-americanos.
O estudo dos professores Chinn e Frankel mostra que o dólar pode perder a sua posição dominante como reserva monetária mundial a um ritmo assustadoramente rápido. A imprudente política monetária da Reserva Federal norte-americana tem vindo a acelerar o declínio do dólar e já provocou a subida das expectativas inflaccionistas. Mas não só. A fragilidade do sector financeiro norte-americano é outro factor a ter em conta e resulta da crise do modelo de capitalismo anglo-saxónico, que era, até há pouco tempo, tido como superior face ao antiquado modelo financeiro da zona euro. Desconfio, contudo, que no futuro esta análise seja muito diferente.
A inércia quer dizer que o euro não vai destronar o dólar nos tempos mais próximos. Actualmente, o euro representa apenas um quarto do total das reservas mundiais, ficando o dólar com a fatia de leão: cerca de dois terços. Há uma teoria que diz que os bancos centrais podem acordar privilegiar o dólar para protegerem o valor das suas reservas. Ora bem, não é assim que as coisas funcionam. Os factores externos que favoreceram o dólar nos últimos anos podem, no futuro, vir a favorecer o euro.
As potenciais implicações geopolíticas desta mudança são imensas. Para começar, os EUA iriam perder o seu principal privilégio, isto é, a capacidade de obterem retornos sobre activos estrangeiros superiores aos retornos obtidos por estrangeiros que investem nos EUA. O dólar deixaria muito rapidamente de ser “a nossa moeda e o vosso problema”. E perderia a influência que hoje tem nas instituições financeiras internacionais. Se o dólar perder o estatuto de moeda internacional de referência, os EUA vão perder igualmente algum poder político. Melhor: vão perder poder, ‘tout court’.
Ora, os políticos pouco podem fazer para evitar esta mudança sísmica. Desconfio que o sistema político norte-americano não tem consciência do que aí vem. Nem os líderes europeus, aliás, que ainda não nos esclareceram sobre se estão preparados para assumir as responsabilidades inerentes à gestão da moeda internacional de referência."
Wolfgang Munchau
Sabemos que a crise do crédito é uma ameaça real à economia global. Porém, é muito provável que o seu mais importante legado a longo prazo não seja económico e sim geopolítico.
Li recentemente uma análise dos professores Menzie Chinn, da Universidade do Winsconsin, e Jeffrey Frankel, da Universidade de Harvard (consultar www.voxeu.org), que me alertou para essa possibilidade. A sua análise tem por base uma simulação, na qual o euro substitui o dólar enquanto principal reserva monetária mundial nos próximos 10 ou 15 anos, e não a presente crise. No entanto, a crise pode muito bem vir a acelerar as tendências identificadas nesta análise.
Não pense o leitor que se trata de propaganda anti-dólar. Os professores Chinn e Frankel partem, aliás, da noção oposta, ou seja, defendem que o euro não se vai manter mais forte do que o dólar por muito tempo. E por uma razão muito simples: o mundo não muda de reservas monetárias com grande frequência.
A libra esterlina ocupou a ‘pole position’ até à II Guerra Mundial e perdeu esse estatuto devido ao esforço para manter o seu império. Nos anos de 1870, a economia norte-americana já tinha ultrapassado a economia do Reino Unido. A inexistência de um sector financeiro sofisticado foi uma das razões por que o dólar levou mais tempo a afirmar-se, dado aquele só se ter começado a desenvolver a partir de 1913, com a criação do Sistema da Reserva Federal.
O estatuto de reserva monetária global releva de todo um conjunto de factores, como a dimensão da economia, a quota do comércio internacional e a profundidade dos mercados financeiros. A inércia é outro factor. Se a moeda do seu país tiver actualmente estatuto de reserva global, é muito provável que, no futuro, o volte a ter.
Os professores Chinn e Frankel citam duas razões subjacentes para o declínio do papel internacional do dólar americano. A primeira respeita ao persistente défice comercial combinado com a prolongada queda da taxa de câmbio do dólar – quiçá sintoma de final do império. A segunda remete para a emergência de uma genuína alternativa ao dólar – o euro. Com efeito, a dimensão da economia da zona euro é quase igual à dos EUA e pode vir a ultrapassá-la mantendo-se a actual política de alargamento. Londres é, por excelência, o centro financeiro da zona euro, apesar de o Reino Unido não ter adoptado a moeda única. Acresce que os mercados europeus de obrigações são hoje tão profundos e líquidos quanto os seus homólogos norte-americanos.
O estudo dos professores Chinn e Frankel mostra que o dólar pode perder a sua posição dominante como reserva monetária mundial a um ritmo assustadoramente rápido. A imprudente política monetária da Reserva Federal norte-americana tem vindo a acelerar o declínio do dólar e já provocou a subida das expectativas inflaccionistas. Mas não só. A fragilidade do sector financeiro norte-americano é outro factor a ter em conta e resulta da crise do modelo de capitalismo anglo-saxónico, que era, até há pouco tempo, tido como superior face ao antiquado modelo financeiro da zona euro. Desconfio, contudo, que no futuro esta análise seja muito diferente.
A inércia quer dizer que o euro não vai destronar o dólar nos tempos mais próximos. Actualmente, o euro representa apenas um quarto do total das reservas mundiais, ficando o dólar com a fatia de leão: cerca de dois terços. Há uma teoria que diz que os bancos centrais podem acordar privilegiar o dólar para protegerem o valor das suas reservas. Ora bem, não é assim que as coisas funcionam. Os factores externos que favoreceram o dólar nos últimos anos podem, no futuro, vir a favorecer o euro.
As potenciais implicações geopolíticas desta mudança são imensas. Para começar, os EUA iriam perder o seu principal privilégio, isto é, a capacidade de obterem retornos sobre activos estrangeiros superiores aos retornos obtidos por estrangeiros que investem nos EUA. O dólar deixaria muito rapidamente de ser “a nossa moeda e o vosso problema”. E perderia a influência que hoje tem nas instituições financeiras internacionais. Se o dólar perder o estatuto de moeda internacional de referência, os EUA vão perder igualmente algum poder político. Melhor: vão perder poder, ‘tout court’.
Ora, os políticos pouco podem fazer para evitar esta mudança sísmica. Desconfio que o sistema político norte-americano não tem consciência do que aí vem. Nem os líderes europeus, aliás, que ainda não nos esclareceram sobre se estão preparados para assumir as responsabilidades inerentes à gestão da moeda internacional de referência."
Wolfgang Munchau
1 Comments:
A agitação que apanhou os dirigentes mundiais desde fins de Setembro de 2008 ilustra de forma clara a sensação de pânico ao mais alto nível. Os responsáveis políticos perceberam que casa estava em chamas. Pelo que não entenderam a evidência que era a própria estrutura do edifício que estava em causa. Não se trata de melhorar os meio de combate ao fogo ou outros meios de socorro.
O sistema monetário mundial está numa situação idêntica. A estrutura do edifício são Bretton Woods e como nas Twin Towers os aviões chamam-se crise suprime, recessão económica, grande depressão americana, deficit estado unidense, ou seja uma verdadeira esqudrilha.
Os actuais dirigentes resultantes do mundo que desfaz sob os nossos pés Barack Obama incluído(3), não podem imaginar as soluções necessárias, assim como os banqueiros centrais não conseguiram durante 2006/2007, imaginar a amplitude da crise actual (4). É o seu mundo que desaparece sob os seus olhares, as suas certezas e as suas ilusões ás vezes idênticos por toda a parte, (5). Segundo alguns é necessário esperar uma renovação de pelo menos 20 % dos dirigentes mundiais para que se possam começar a construir soluções viáveis. (6). Trata-se da massa crítica necessária para a mudança de perspectiva num grupo humano e pouco hirarquizado. Estamos, assim, muito longe da verdade porque estes novos dirigentes, para contribuir realmente para solucionar a crise, devem aceder ao poder depois de ter tomado consciência da natureza da mesma.
Sem esta tomada de consciência pelos dirigentes mundiais, nos próximos 3 meses e a consequente tomada de medidas, levará a que nos 6 meses seguintes, a dívida americana implodirá no Verão de 2009 sob a forma de incumprimento da mesma ou de uma desvalorização do USD sem precedentes. Este afundamento será precedido de casos similares em países de menor importância entre os quais o UK já sobre endividado e verá a sua dívida e o seu deficit crescer quase ao mesmo ritmo de Washington (7). Como a o Fed viu, mês a mês, que os seus (8) Primary Dealers eram arrastados pela crise antes que ela mesma tivesse ainda problemas de capitalização e de sobrevivência. Os USA no próximo ano verão falir um a um os países mais conectados com a sua economia.
O papel dos europeus nesta matéria é essencial e os da zona euro (10) em particular, deve transmitir uma mensagem muito forte para Washington: os USA cairão num buraco negro económico e financeiro em 2009 se se agarrar a toda a custa aos passados privilégios. Uma vez que o mundo riscará com uma cruz os USA e se assim for será demasiado tarde para negociar algo.. Com mais 550 milo milhões de USD, a zona euro possui a terceira a par da Rússia as reservas mais importantes do mundo, depois da China e do Japão e antes dos países do Golfo.
Tem portanto o peso diplomático, financeiro, comercial e monetário para forçar Washington a encarar a realidade (11). O conjunto a EU permanecerá, porque todos os países europeus externos à zona euro, estão hoje à mmerc~e de uma grave crise da sua divisa ou da sua economia, inclusive das duas simultaneamente.(12) . Sem a Eurolândia as suas perspectivas a curto médio prazo são muito sombrias. Por outro lado o Euro é a única divisa a que tentam em número crescente estados inicialmente reticentes ( Islândia, Dinamarca) ou outros como a (Polónia, Turquia e Hungria) (13)
Sinal dos tempos, o Financial Times começou a estabelecer uma lista dos activos materiais do governo federal dos USA: bases militares, parques naturais, edifícios públicos, museus, tudo foi avaliado para chegar a um aporte de 1 500 mil milhões de USD., que é mais ou menos o aporte necessário para cobrir o deficit pressuposto e provável para 2009. O ano de 2008 foi o rastilho o de 2009 o das consequências.
Enviar um comentário
<< Home