OS PÉS DESCALÇOS
"Consta que o jornalista iraquiano que atirou os sapatos a Bush é um súbito herói no mundo árabe. Acredito. Aliás, o facto de o prestígio local depender quase sempre de actos assim nobres talvez esclareça o fulgurante sucesso desse peculiar mundo. Aparentemente, as sociedades em questão tendem a consagrar em exclusivo inclinações humanitárias, consumadas de preferência à bomba ou tentadas mediante o que estiver à mão, perdão, ao pé.
É uma perspectiva de vida, que eu respeitaria com zelo se não fosse contagiosa. Não me incomoda o estatuto atingido pelo sr. Muntazer al-Zaidi em Bagdad ou Damasco. Já envergonha um bocadinho a absurda simpatia que parte do Ocidente decidiu dedicar à criatura. Nem falo dos inúmeros artigos que usaram o episódio dos sapatos para criticar o destinatário dos ditos e a guerra no Iraque, quando a única coisa que o episódio nos diz sobre a guerra é que esta criou as condições para que o agressor escapasse com vida da sua façanha.
Falo, por exemplo, dos noticiários que, naquele tom algures entre o didactismo, o fascínio "multicultural" e a legitimação, incessantemente nos explicaram que atirar o calçado a alguém é a maior ofensa de que um muçulmano é capaz (naturalmente, na etiqueta islâmica rebentar com transeuntes fica muito aquém em matéria de gravidade).
E falo também dos movimentos de "solidariedade" para com o sr. Muntazer al-Zaidi, normalmente formados pelo tipo de pacifistas que, nas últimas semanas, apoia a destruição da Grécia. Um dos movimentos, porém, levou a coerência ainda mais longe. A Code Pink, Código Rosa, manifestou-se em frente à Casa Branca, onde os membros da organização arremessaram sapatos a um boneco parecido com Bush. A impunidade do gesto prova a opressão do regime que a Code Pink denuncia. Engraçado é notar os regimes que esse grupo subintitulado "Mulheres Pela Paz" acarinha: Iraque, Irão, Afeganistão e, suponho, todos os lugares em que a fêmea da espécie seja oficial e informalmente tratada ao nível da estrebaria.
No contexto, os sapatos da Code Pink são o maior insulto que na nossa civilização uma mulher pode dirigir a outra. Mas isso, compreensivelmente, os noticiários não explicam: não é fácil explicar ocidentais que odeiam o Ocidente, pacifistas que odeiam a paz e feministas que odeiam mulheres."
Alberto Gonçalves
É uma perspectiva de vida, que eu respeitaria com zelo se não fosse contagiosa. Não me incomoda o estatuto atingido pelo sr. Muntazer al-Zaidi em Bagdad ou Damasco. Já envergonha um bocadinho a absurda simpatia que parte do Ocidente decidiu dedicar à criatura. Nem falo dos inúmeros artigos que usaram o episódio dos sapatos para criticar o destinatário dos ditos e a guerra no Iraque, quando a única coisa que o episódio nos diz sobre a guerra é que esta criou as condições para que o agressor escapasse com vida da sua façanha.
Falo, por exemplo, dos noticiários que, naquele tom algures entre o didactismo, o fascínio "multicultural" e a legitimação, incessantemente nos explicaram que atirar o calçado a alguém é a maior ofensa de que um muçulmano é capaz (naturalmente, na etiqueta islâmica rebentar com transeuntes fica muito aquém em matéria de gravidade).
E falo também dos movimentos de "solidariedade" para com o sr. Muntazer al-Zaidi, normalmente formados pelo tipo de pacifistas que, nas últimas semanas, apoia a destruição da Grécia. Um dos movimentos, porém, levou a coerência ainda mais longe. A Code Pink, Código Rosa, manifestou-se em frente à Casa Branca, onde os membros da organização arremessaram sapatos a um boneco parecido com Bush. A impunidade do gesto prova a opressão do regime que a Code Pink denuncia. Engraçado é notar os regimes que esse grupo subintitulado "Mulheres Pela Paz" acarinha: Iraque, Irão, Afeganistão e, suponho, todos os lugares em que a fêmea da espécie seja oficial e informalmente tratada ao nível da estrebaria.
No contexto, os sapatos da Code Pink são o maior insulto que na nossa civilização uma mulher pode dirigir a outra. Mas isso, compreensivelmente, os noticiários não explicam: não é fácil explicar ocidentais que odeiam o Ocidente, pacifistas que odeiam a paz e feministas que odeiam mulheres."
Alberto Gonçalves
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