quarta-feira, fevereiro 04, 2009

CEFALEIAS OU A MORTE DE UMA ÉPOCA.

"Com a cabeça a latejar, entrei no Alfa rumo ao Porto. Ainda com o comboio parado, no banco à frente do meu uma senhora de idade lançava à interlocutora insultos (irreproduzíveis) ao eng. Sócrates, o homem que "rouba" 40% dos impostos à filha médica. Atrás de mim, um casal educado debatia suavemente o sigilo bancário e o segredo de justiça. Ao meu lado, um sujeito com ar académico leccionava por telefone a História do Processo Freeport, desde a Antiguidade Clássica aos nossos dias.

Não notei o típico e alarve entusiasmo que os ameaços de uma "personalidade" em queda dantes nos suscitavam. Aquelas pessoas falavam devagar, em tom seco e factual. Aquelas pessoas falaram pouco. Quando o comboio arrancou, já a carruagem descera ao silêncio que durou até Campanhã. Ali dentro, as alhadas que se diz envolverem o primeiro-ministro, e de que nenhum passageiro aparentava duvidar, não eram razão para celebrações, e não acho que fossem a razão da melancolia vigente. Eram o sintoma de uma queda colectiva, de um regime e de um país que, surpreendidos nos últimos meses pela realidade do mundo e pela própria, iniciaram viagem para um lugar desconhecido e triste.

Pelo menos foi o que senti, feito um presságio, enquanto anoitecia e do céu castanho pingava uma chuvinha: o Freeport é só o definitivo sinal do fim de uma época, que a caríssima e medonha Gare do Oriente, entretanto a distanciar-se através da janela, representou com exactidão. É ainda possível que a inclinação apocalíptica se devesse apenas à cefaleia e aos dois analgésicos que eu carregava, embora a dor tenha acabado por passar e a inclinação não
."

Alberto Gonçalves

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