domingo, março 15, 2009

A Rússia apresenta a conta a Obama

"A administração Obama definiu um entendimento com a Rússia como a primeira das reorientações estratégicas viáveis, mas ainda não apurou devidamente os custos das concessões que terá de fazer a Moscovo.

O primeiro objectivo russo, partilhado por todas as tendências políticas em Moscovo, é pôr termo ao alargamento da NATO a Leste e reduzir a presença norte-americana na Ásia Central.

A decisão da NATO de retomar os contactos com Moscovo, suspensos desde 19 de Agosto, foi feita à custa de ignorar a exigência expressa pública e formalmente de que russos e georgianos teriam de retirar para as posições que ocupavam antes do eclodir da guerra.

Preponderância russa no Cáucaso
Moscovo mantém a sua presença militar na Abkázia e na Ossétia do Sul, mas os Estados Unidos convenceram os aliados mais renitentes, caso dos estados bálticos, da República Checa e da Polónia, a aceitarem sem contrapartidas a reactivação do Conselho Rússia-NATO.

A promessa de uma futura adesão da Geórgia à NATO mantém-se em agenda, mas basta constatar que os aliados não forneceram até agora o apoio prometido a Tiblissi para a reconstrução de infra-estruturas civis e muito menos ajuda militar para concluir que, de facto, a entrada georgiana na aliança foi posta de lado.

Uma eventual adesão da Geórgia foi sempre contestada devido aos contenciosos fronteiriços entre Tiblissi e Moscovo. O aventureirismo do presidente Mikhail Saakashvili persuadiu a maioria dos membros da NATO de que os riscos não compensavam o apoio ao radicalismo georgiano.

No caso da Ucrânia a instabilidade política e ausência de consenso interno sobre a adesão à NATO justificavam, por sua vez, todas as objecções a uma expansão da aliança a Leste, aliás sem fito estratégico visível.

Moscovo conseguiu, assim, o primeiro dos seus desideratos e a questão da instalação de sistemas de radar e anti-mísseis norte-americanos na República Checa e na Polónia, de dúbia utilidade, tornou-se uma questão secundária que serve apenas a Moscovo para negociar concessões no quadro da sua inviável proposta de segurança pan-europeia.

Desunião europeia, ganho russo
Sobra a Iniciativa de Parceria a Leste da União Europeia, envolvendo a Ucrânia, Moldova, Geórgia, Arménia, Azerbeijão e, eventualmente, a Bielorrússia, que almeja oferecer, em prazo indefinido, termos comerciais favoráveis, isenção de vistos e cooperação energética a estes estados que não reúnem condições nem económicas, nem políticas para negociarem a entrada no bloco europeu.

A inexistência de uma estratégia comum dos 27 em matéria energética dificulta, ainda mais, a concretização de projectos que estimulem as economias dos estados incluídos na Parceira a emanciparem-se da área de influência da Rússia.

A Alemanha vetou a concessão de financiamentos da União Europeia para o gasoduto Nabucco, apesar da Comissão considerá-lo de interesse estratégico para diversificar os fornecimentos através do acesso ao Mar Cáspio, e a concorrência entre os gasodutos Nord Stream, no Báltico e de interesse especial para Berlim, e South Stream no Mar Negro, com patrocínio russo e da Itália, garantem a Moscovo o domínio incontestado nos abastecimentos.

O comportamento errático dos políticos ucranianos confirma, por seu turno, os limites de cooperação com estados que alimentam contenciosos potencialmente explosivos com a Rússia.

Moscovo conseguiu, com o beneplácito de Washington, ver reconhecida na prática a sua área de influência no Leste europeu e no Cáucaso, vê travada a expansão da NATO e confirma a preponderância nas importações europeias de gás natural.


Trunfos fortes na Ásia Central
Na Ásia Central, o Kremlin, depois de levar o Quirguistão a negar a utilização da base aérea de Manas pelos Estados Unidos e os seus aliados, ofereceu os bons serviços da rede ferroviária russa para canalizar, via Cazaquistão, abastecimentos da NATO enviados da Letónia para as forças no Afeganistão.

O próximo passo russo é fazer valer a sua influência no Tadjiquistão onde a base aérea indiana de Farkhor, a única estrutura militar que Nova Deli tem no estrangeiro, ganhou importância acrescida para o esforço de guerra no Afeganistão, e facilitar as negociações entre Dushambé e Washington para o trânsito de material não letal destinado à NATO.

Apesar de a Rússia ter de contrabalançar os seus interesses na Ásia Central com os da China e da Índia, a crescente crise do Paquistão obriga os Estados Unidos a procurar alternativas e apoios na região e Moscovo passa a contar com mais trunfos negociais.

A tentativa de Obama de ganhar o apoio de Teerão para o esforço de guerra no Afeganistão, a troco da participação directa dos Estados Unidos nas negociações sobre o dossiê nuclear iraniano, passa também por Moscovo.

A Rússia, tal como o Irão, nada tem a ganhar com uma derrota da NATO no Afeganistão, mas ver os Estados Unidos em apuros numa guerra sem saída é um magnífico cenário negocial.

A administração Obama solicitou ao Kremlin que suspendesse o contrato com Teerão para envio de mísseis anti-aéreos de longo alcance S-300, depois de há dois anos ter fornecido mísseis anti-aéreos Tor-M1 de curto alcance, mas a Rússia parece ter concluído que, salvo um impraticável ataque militar norte-americano, o programa nuclear militar iraniano é irreversível.

A cooperação russo-iraniana no nuclear civil, patente na central de Busher, fornece, aliás, a Moscovo argumentos para o seu plano de desnuclearização militar do Médio Oriente que servirá para conter a proliferação após a mais que provável conclusão com êxito do projecto armamentista de Teerão.

A Rússia defende a cooperação internacional em programas nucleares civis através do fornecimento de urânio não enriquecido a países que o requeiram para fins pacíficos sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atómica.

O acordo nuclear entre os Estados Unidos e a Índia, apesar de Nova Deli não ter assinado os Tratados de Interdição de Testes Nucleares e de Não-Proliferação, retirou boa parte dos argumentos de Washington para se opor às iniciativas da Rússia.

Concessões nos armamentos estratégicos
Os Estados Unidos e a Rússia estão em consonância para a assinatura de um novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas que substitua o acordo de 1991, que expira em Dezembro, mas Moscovo tem duas exigências que Washington terá de acomodar.

O Kremlin pretende que o novo acordo não se limite à redução das ogivas nucleares, mas contemple, também, meios de transporte, designadamente mísseis intercontinentais balísticos, além de propor a interdição de estacionamento de armas ofensivas estratégicas fora dos territórios nacionais da Rússia e dos Estados Unidos.

Para Washington mais concessões estão na calha quanto à exigência russa de limitar ou suspender o desenvolvimento unilateral de sistemas de mísseis anti-balísticos e face à proposta conjunta de Moscovo e Pequim para limitar ou interditar a utilização de armas espaciais.

Obama vai pagar uma pesada factura para relançar as relações com a Rússia.
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João Carlos Barradas

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