O elogio da degradação.
"À política o que é da política, à justiça o que é da justiça. Esta frase lapidar representa toda a hipocrisia da vida nacional.
Não existe político que não sonhe com uma justiça dócil, nem magistrado que não sonhe com um político obediente. E não subsiste vestígio de censura em atitudes tão naturais à política. É da natureza dos animais respirarem o ar puro de todos os dias, só que o animal político respira sempre e só os ares do poder.
O caso Freeport é o ‘boomerang' da política portuguesa. Agora são as pressões sobre os magistrados e o país agita-se perante o escândalo de um drama que se repete. Mas ainda haverá motivo para surpresa? Claro que não. Em Portugal, os magistrados falam como políticos e os políticos usam a linguagem jurídica dos magistrados. Depois, há o vício mecânico de transformar os conflitos políticos em questões de elevada complexidade jurídica. Mais ainda, os magistrados tomam decisões jurídicas que parecem surgir, por maléfica coincidência, em tempos políticos de elevada sensibilidade. Finalmente, políticos e magistrados vivem num contexto político-institucional em que reinam as omissões e as pressões, as insinuações e as suspeitas, tudo devidamente matizado pela lentidão secular de uma burocracia velha e pesada.
Os políticos julgam-se os donos do Regime. Os magistrados pretendem purificar a política de todos os desmandos e abusos. Se os políticos representam o espírito do voto popular e democrático, os magistrados são os guardiões de uma moral superior que está muito acima da vulgaridade da política. Enfim, entre o poder judicial e o poder político não existe uma conversa civilizada mas uma autêntica guerra civil.
O clima de guerra civil confere à República o peso insuportável da degradação que vai consumindo a confiança dos portugueses e a credibilidade das instituições. Entre políticos e magistrados, ninguém está realmente empenhado no apuramento da verdade, mas todos estão interessados numa parcela acrescida de poder. E o caso Freeport é a mais recente nesga de poder ao alcance do mais forte.
Nestes momentos de agitação e frenesim, o País pára tomado por um vírus agressivo cujos sintomas são a desconfiança, o ressentimento, a coacção e a vingança final. Para a paz e sanidade dos portugueses, o País das instituições devia recolher para quarentena.
A "democracia moderna" do primeiro-ministro e a "política de verdade" de Manuela Ferreira Leite nada têm a acrescentar a este surto infeccioso. Aliás, talvez sejam parte integrante da doença nacional. Em tempos difíceis em que a economia internacional vive em regime de crise e a política mundial ensaia novos equilíbrios estratégicos, Portugal arruina-se em pequenas guerras de campanário e aposta uma vez mais no conforto familiar do isolamento. Podemos estar na Europa, mas em muitas coisas ainda não chegámos à Europa."
Carlos Marques de Almeida
Não existe político que não sonhe com uma justiça dócil, nem magistrado que não sonhe com um político obediente. E não subsiste vestígio de censura em atitudes tão naturais à política. É da natureza dos animais respirarem o ar puro de todos os dias, só que o animal político respira sempre e só os ares do poder.
O caso Freeport é o ‘boomerang' da política portuguesa. Agora são as pressões sobre os magistrados e o país agita-se perante o escândalo de um drama que se repete. Mas ainda haverá motivo para surpresa? Claro que não. Em Portugal, os magistrados falam como políticos e os políticos usam a linguagem jurídica dos magistrados. Depois, há o vício mecânico de transformar os conflitos políticos em questões de elevada complexidade jurídica. Mais ainda, os magistrados tomam decisões jurídicas que parecem surgir, por maléfica coincidência, em tempos políticos de elevada sensibilidade. Finalmente, políticos e magistrados vivem num contexto político-institucional em que reinam as omissões e as pressões, as insinuações e as suspeitas, tudo devidamente matizado pela lentidão secular de uma burocracia velha e pesada.
Os políticos julgam-se os donos do Regime. Os magistrados pretendem purificar a política de todos os desmandos e abusos. Se os políticos representam o espírito do voto popular e democrático, os magistrados são os guardiões de uma moral superior que está muito acima da vulgaridade da política. Enfim, entre o poder judicial e o poder político não existe uma conversa civilizada mas uma autêntica guerra civil.
O clima de guerra civil confere à República o peso insuportável da degradação que vai consumindo a confiança dos portugueses e a credibilidade das instituições. Entre políticos e magistrados, ninguém está realmente empenhado no apuramento da verdade, mas todos estão interessados numa parcela acrescida de poder. E o caso Freeport é a mais recente nesga de poder ao alcance do mais forte.
Nestes momentos de agitação e frenesim, o País pára tomado por um vírus agressivo cujos sintomas são a desconfiança, o ressentimento, a coacção e a vingança final. Para a paz e sanidade dos portugueses, o País das instituições devia recolher para quarentena.
A "democracia moderna" do primeiro-ministro e a "política de verdade" de Manuela Ferreira Leite nada têm a acrescentar a este surto infeccioso. Aliás, talvez sejam parte integrante da doença nacional. Em tempos difíceis em que a economia internacional vive em regime de crise e a política mundial ensaia novos equilíbrios estratégicos, Portugal arruina-se em pequenas guerras de campanário e aposta uma vez mais no conforto familiar do isolamento. Podemos estar na Europa, mas em muitas coisas ainda não chegámos à Europa."
Carlos Marques de Almeida
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