Inédito
"Um magistrado alvo de processo disciplinar por alegada tentativa de pressão sobre outros magistrados, é caso inédito na justiça portuguesa.
Não devemos estranhar que o inédito tenha ocorrido porque, nos últimos anos, a Justiça tem sido espaço de manifestação de inéditos sob as mais diversas formas. Mas devemos estar preocupados porque os inéditos neste sector são expressões de inadequações, e até de perversões, que a todos nos afectam enquanto cidadãos de um Estado que se quer democrático e, acima de tudo, de direito.
Isto, já para não falar da repercussão externa da situação. Não se trata apenas de uma questão de imagem, trata-se de uma coisa menos mensurável mas mais profunda: lisura de comportamentos.
A situação da Justiça não nos sugere preocupação e inquietação apenas e só pelos episódios que a têm marcado, em especial no caso Freeport. Este, é mais um que, pelo seu enorme mediatismo, tem servido para tornar notórias e evidentes aquelas que são as maiores deficiências do sector, consideradas não só nos seus aspectos substantivos e organizativos, mas naquilo que é o elo enformador de tudo e que se traduz em princípios e em valores.
Estejam os valores e os princípios nos seus devidos lugares, sejam assumidos, respeitados e praticados na sua adequada graduação e muito do que se tem passado não estaria certamente a acontecer.
Custa perceber porque é que um magistrado, sujeito a um processo disciplinar, não consegue ver a evidência e tarda em de imediato pedir a demissão das suas actuais funções. O tempo de espera, o tempo de não decisão, é um tempo que corrói e que mina, permitindo que mais tinta corra sobre a situação e que o quadro se torne mais negro. E isto é assim quanto à demora da decisão neste caso especifico quanto no geral o é relativamente à demora das investigações e das conclusões dos processos.
É certo que o tempo judicial não é compatível com o tempo mediático e nem um e outro têm que mutuamente se sujeitar. Mas a verdade é que o diferencial é hoje tão grande e com tantos sinais de se vir a acentuar que, se não se encontrarem formas de o estancar, o prejuízo tenderá a ser muito maior.
A questão é que temos uma tendência muito própria para confundir os diagnósticos com a cura. O facto de estarem diagnosticados boa parte dos problemas no sector não implica que sobre os mesmos exista um princípio de resolução. Acresce que uma intervenção reformista num sector com esta natureza não se faz sob a pressão das circunstâncias. Essa é a forma mais fácil de actuar porque além de implicar acções pontuais e avulsas normalmente até suscita a adesão da opinião pública. A actuação neste domínio requer tanta coragem e profundidade quanto capacidade para transformar de alto a baixo um edifício que está corroído nos seus principais alicerces."
Rita Marques Guedes
Não devemos estranhar que o inédito tenha ocorrido porque, nos últimos anos, a Justiça tem sido espaço de manifestação de inéditos sob as mais diversas formas. Mas devemos estar preocupados porque os inéditos neste sector são expressões de inadequações, e até de perversões, que a todos nos afectam enquanto cidadãos de um Estado que se quer democrático e, acima de tudo, de direito.
Isto, já para não falar da repercussão externa da situação. Não se trata apenas de uma questão de imagem, trata-se de uma coisa menos mensurável mas mais profunda: lisura de comportamentos.
A situação da Justiça não nos sugere preocupação e inquietação apenas e só pelos episódios que a têm marcado, em especial no caso Freeport. Este, é mais um que, pelo seu enorme mediatismo, tem servido para tornar notórias e evidentes aquelas que são as maiores deficiências do sector, consideradas não só nos seus aspectos substantivos e organizativos, mas naquilo que é o elo enformador de tudo e que se traduz em princípios e em valores.
Estejam os valores e os princípios nos seus devidos lugares, sejam assumidos, respeitados e praticados na sua adequada graduação e muito do que se tem passado não estaria certamente a acontecer.
Custa perceber porque é que um magistrado, sujeito a um processo disciplinar, não consegue ver a evidência e tarda em de imediato pedir a demissão das suas actuais funções. O tempo de espera, o tempo de não decisão, é um tempo que corrói e que mina, permitindo que mais tinta corra sobre a situação e que o quadro se torne mais negro. E isto é assim quanto à demora da decisão neste caso especifico quanto no geral o é relativamente à demora das investigações e das conclusões dos processos.
É certo que o tempo judicial não é compatível com o tempo mediático e nem um e outro têm que mutuamente se sujeitar. Mas a verdade é que o diferencial é hoje tão grande e com tantos sinais de se vir a acentuar que, se não se encontrarem formas de o estancar, o prejuízo tenderá a ser muito maior.
A questão é que temos uma tendência muito própria para confundir os diagnósticos com a cura. O facto de estarem diagnosticados boa parte dos problemas no sector não implica que sobre os mesmos exista um princípio de resolução. Acresce que uma intervenção reformista num sector com esta natureza não se faz sob a pressão das circunstâncias. Essa é a forma mais fácil de actuar porque além de implicar acções pontuais e avulsas normalmente até suscita a adesão da opinião pública. A actuação neste domínio requer tanta coragem e profundidade quanto capacidade para transformar de alto a baixo um edifício que está corroído nos seus principais alicerces."
Rita Marques Guedes
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home