sábado, maio 30, 2009

Porque falha a protecção da criança

"O recente caso da menina russa, Alexandra, que foi retirada à família de acolhimento e entregue à família biológica, só acontece porque não existe em Portugal um verdadeiro sistema de protecção da criança.

A protecção da criança falha em vários domínios. A vontade política é fraca, friae distante dos problemas que afectam a vida de uma criança que precisa de amparo. A mentalidade de protecção é inexistente porque vê a criança como um problema que vai afectar o regular funcionamento das instituições. A lei de (des)protecção é hipócrita e retrógrada, porque a sua primeira preocupação são os pais biológicos e não a criança, permitindo interpretações antagónicas sobre a mesma realidade. O pensamento do legislador passa mais pela protecção dos laços biológicos, que só são importantes com amor e afecto pela criança e não a qualquer preço, porque o desenvolvimento harmonioso da criança não depende, muitas das vezes, das ligações de sangue.

Falha a ligação entre as várias instituições que concorrem para a resolução desta problemática, porque funcionam em ilhas e em discurso fechado. Não existe um hábito e uma cultura de trabalho em equipa, numa rede permanente e interdisciplinar que permita resolver de imediato os casos que surjam. O que existe é um fosso, no diagnóstico e na execução das medidas a tomar, o que explica que a criança permaneça muitos anos institucionalizada ou em famílias de acolhimento. Não existe uma mentalidade adoptiva.

Tudo é mau para o crescimento harmonioso da criança: a sua prolongada institucionalização, a inevitável perda dos laços biológicos, a quebra dos laços que criou durante os muitos anos em que permaneceu com a família de acolhimento. E a adopção que tarda por incompetência de muita gente sem rosto, sem alma e com falta de sensibilidade.

Falha ainda um novo olhar sobre os tribunais de menores, que devem ser especializados na vocação e na dedicação. Ser organicamente especializado não é o mesmo que ter vocação especial para lidar com matérias que, embora juridicamente simples, encerram uma enorme complexidade pela carga humana que transportam. E neste contexto é preciso dizer com frontalidade que muitos juízes e magistrados do Ministério Público não estão convenientemente preparados para lidar com esta ciclópica tarefa. O aplicador da lei não se pode alhear das consequências sociais da sua decisão. Também não existe abertura para aceitar os contributos dos novos saberes, o que agrava o problema.

O que sobra deste mundo negro dos adultos é, ainda assim, a criança que luta pelos seus direitos, que tardam
."

Rui Rangel

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