quarta-feira, maio 27, 2009

Economia, salários, subprime, comentadores...

"O governador do Banco de Portugal manifestou-se hoje contra uma descida dos salários em Portugal, considerando que isso provocaria um agravamento da recessão (mais aqui)"
Se a economia funciona como um processo de produção, distribuição, circulação e consumo dos bens e serviços, é necessário que o pessoal tenha de ter dinheiro para o gastar. Adiante.

"O que mais importa em economia é muitas vezes o que menos atenção obtém. É o que acontece com a ligação entre salários e produtividade: o pagamento obtido pelos trabalhadores versus o valor do que eles produzem. Mas a maior parte dos comentadores foca outras coisas. Eles tornam público o que os seus empregadores querem ver. Os políticos no poder repetem o que dizem os promotores de acções. Aqueles que apostam em quedas no mercado pagam aos seus comentadores para pintá-lo sombrio. Políticos fora do poder copiam-nos e prometem, quando eleitos, retomar a prosperidade de modo a que também possam imitar os promotores das acções.

Ao longo das últimas décadas, os trabalhadores produziram 75 por cento mais. Na linguagem da teoria económica, isto quer dizer quanto a produção por trabalhador – "produtividade" – aumentou. As corporações obtiveram mais 75 por cento de bens e serviços produzidos por trabalhador. Elas venderam aquela produção extra e assim obtiveram muito mais rendimento e lucro por trabalhador empregado. Mas o que elas pagaram àqueles trabalhadores não aumentou. Salários estagnados não permitiram aos trabalhadores comprar qualquer produção extra do que produziram.

Por que e como isto acontece? Nas últimas três décadas, as viagens aéreas, os computadores, a Internet e os telefones celulares mudaram todos os lugares de trabalho do planeta. As companhias sobreviviam à competição global se produzissem mais com menos trabalhadores. Assim, elas mudaram a tecnologia para substituir pessoas por máquinas, e a seguir pressionaram os empregados restantes a trabalhar mais arduamente e mais rapidamente. Ao mesmo tempo, elas mudaram a produção para lugares onde pudessem minimizar custos através da utilização de tecnologias e métodos de produção perigosos (pense nos brinquedos contaminados por chumbo ou comidas de animais de estimação com produtos químicos perigosos e assim por diante). Talvez elas tenham subornado ou persuadido autoridades locais a ignorarem a resultante ecológica, a segurança e os problemas de saúde; talvez elas apenas tenham olhado para o outro lado como na "falha de supervisão adequada". Em qualquer caso, o que importa e o que aconteceu foi que a produtividade aumentou.

Os salários, entretanto, não gotejaram em parte alguma porque as corporações (1) externalizavam o que haviam sido empregos por trabalho barato além mar; (2) importavam imigrantes que aceitavam trabalhar por menos; (3) ameaçavam exportar os seus empregos se os trabalhadores nacionais pressionassem por salários mais altos; e (4) financiavam políticos que legalizavam todas estas acções e enfraqueciam os sindicatos já em retrocesso.


E como sempre, um crescente exército de comentadores bem pagos nos mass media glorificaram a "eficiência da economia mundial". Algumas vezes, surgiam factos perturbantes a ameaçar a constante celebração (protestos anti-livre-comércio, escândalos envolvendo exportações tóxicas, etc). Os ditos comentadores descobriam meios de ignorá-los, desviar a atenção dos mesmos, e acalmar os seus públicos recordando as maravilhas da "nova economia moderna".

Mas a importância da ascensão da produção por trabalhador conjugada com salários reais estagnados é clara para qualquer um que a queira ver. É a exploração a ficar pior. A enorme dimensão do fosso produtividade-salários pós 1975 esmaga todas as minúcias estatísticas habituais. O fosso entre o padrão de vida que a sua produtividade crescente tornara possível e o padrão de vida que os seus salários podiam permitir tornava-se mais vasto a cada ano.

Muitos problemas que agora se desdobram na economia decorrem desta pioria da exploração. Famílias, culturalmente acostumadas a medir o êxito individual pelos níveis de consumo atingidos, experimentaram um congelamento de décadas sobre o quanto os seus salários podiam comprar. Tivessem elas limitado as compras àquele rendimento, elas não poderiam ter realizado o sonho do padrão de vida em ascensão.

Assim, elas rebelaram-se. Com os seus salários efectivamente congelados e nenhum sindicato, partido ou movimento sindical disponível para descongelá-los, os trabalhadores responderam individualmente. Mulheres moveram-se maciçamente para acrescentar trabalho assalariado ao seu trabalho doméstico. Famílias assumiram dívidas pessoais maciças . Quando famílias e finanças tornavam-se instáveis, as ansiedades cresciam. Inquietas por mudanças amedrontadores a muitos níveis, americanos procuravam tranquilidade ou fugas de novas pressões. Fundamentalismos desfrutaram de ressurreições: em igrejas, sinagogas e mesquitas, mas também em política, patriotismo, "valores da família" e teoria económica. Os escapismos floresciam – assistência a desportos, drogas, álcool, comida, mas também aptidão física, pornografia e os tecno-mundos privados do iPods, blogs, salas de chat.

A sub-prime é um eufemismo que se aplica a muito mais do que a empréstimos hipotecários de baixa credibilidade . A expressão descreve toda a economia dos EUA posterior ao período 1945-1975, após os experimentos do país com o estado previdência, uma massa de classe média, e consumo ascendente das massas. Os números da produtividade e dos salários reais anteriores – de 1945 a 1975 – eram muito diferentes. A produtividade cresceu muito mais rápido então do que subsequentemente. Mas a grande diferença é o que aconteceu aos salários reais: por hora, eles cresceram 75 por cento de 1947 a 1972, ao passo que por semana cresceram 61 por cento. Por outras palavras, os salários dos trabalhadores americanos cresceram então com a sua elevação de produtividade — exactamente o que deixou de acontecer após meados da década de 1970.

A economia do estado previdência de 1945 a 1975 foi guiada por dois temores inter-relacionados: de deslizar de volta para a Grande Depressão e de sucumbir ao socialismo. A história reduziu bastante tais temores de modo que, após 1975, os negócios puderam desfazer o New Deal e retornar aos fossos pré-1929 entre ricos e pobres. A maior parte dos comentadores pagos louva a reacção dos negócios como se ela fosse boa para toda a gente, mas os trabalhadores a sofrerem a nova economia sub-prime podem avaliar isso de forma diferente. A explosão de dívidas de trabalhadores adiou essa avaliação. Assim como, também, o fundamentalismo, escapismo e o ruído de todos aqueles comentadores.

Enquanto perdurar, esta economia sub-prime continua a depender muito mais das respostas dos trabalhadores do que da política do BCE, FED, da depreciação do dólar e do Euro ou do endurecimento do crédito."

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