quarta-feira, julho 01, 2009

Alhos e bugalhos

"Os dois manifestos divulgados sobre o papel e o peso dos investimentos públicos na recuperação da economia portuguesa parecem inconciliáveis. Sobretudo se forem lidos e absorvidos com um espírito semelhante ao que anima as discussões entre adeptos de clubes de futebol, mais baseadas na subjectividade das paixões do que na racionalidade dos argumentos.

Acontece que o tema é demasiado importante para as actuais e futuras gerações. Não pode ser tratado com o género de fervor que apoiantes de equipas diferentes colocariam naquele género de debates que jamais chegam a lugar algum.

Longe de evidenciar um antagonismo irremediável entre quem defende o investimento público e quem, eventualmente, o recusa, a leitura dos dois documentos permite ficar a saber que há áreas de consenso. Podem, até, constituir uma base de partida para evitar que se cometam erros semelhantes àqueles em que já se caiu no passado, caso quem vier a tomar decisões irreversíveis sobre os projectos mais pesados tenha o cuidado e o bom senso de privilegiar uma abordagem mais pragmática do que ideológica.

Os pontos de intersecção entre as duas abordagens têm boas hipóteses de receber a concordância pacífica da maioria dos cidadãos que sentem, no dia-a-dia, onde se foram acumulando muitas carências que prejudicam as empresas e as famílias e que ferem a competitividade e a qualidade de vida. São os casos da reabilitação dos centros urbanos ou das sugestões para que se dê prioridade ao investimento nas áreas da saúde, do ensino e da justiça, neste caso um pilar da democracia em estado de coma. Somadas, estas propostas justificariam um programa de investimentos públicos capaz de recolher uma concordância alargada, uma vez retirados do caminho os preconceitos ideológicos em que tropeçam muitas decisões.

A história dos dois manifestos não termina aqui. A divergência essencial está no tema central escolhido por cada um dos documentos. De um lado, está um grupo de personalidades que pede a reavaliação dos projectos da alta velocidade ferroviária, dos investimentos na rede rodoviária e do novo aeroporto de Lisboa, alertando para as potenciais consequências da execução destas obras sobre o endividamento já elevado que se regista no perímetro do Estado. A perspectiva defendida não é a de que o investimento público é mau para o país, mas a de que, a médio e longo prazo, os custos lançados sobre os ombros dos contribuintes serão superiores aos benefícios alcançados.

Do outro lado, a atenção é dirigida ao curto prazo. Trata-se de defender o investimento público como a receita genérica para atacar, no imediato, o problema do desemprego. Fala-se em projectos "úteis" para a economia e nos custos sociais e económicos que advêm do crescimento do desemprego, mas não será por acaso que o "contra-manifesto" não toma posições claras a respeito dos grandes projectos que estão no centro da polémica. Talvez porque tenha sido necessário preservar o mínimo denominador comum entre os seus subscritores.

Em ocasiões anteriores, o ambiente pré-eleitoral também forneceu terreno fértil para outros manifestos. Os dois que surgiram agora parecem abordar o mesmo assunto, mas isso não passa de ilusão. O primeiro falou de alhos, o segundo respondeu com bugalhos
."

João Cândido da Silva

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