segunda-feira, julho 20, 2009

A inquisição 2009

"Curioso. Os mesmos que às segundas, quartas e sextas acusam o Vaticano de genocídio a propósito da condenação dos contraceptivos, às terças e quintas correm a exaltar a Santa Sé. Desde que nestes dias haja uma mensagem papal aparentemente avessa ao capitalismo.

Escrevo "aparentemente" porque a terceira encíclica de Bento XVI, "Caridade na Verdade", ou "Amor na Verdade", foi lida com certos abusos interpretativos. Nela, ao contrário do que se fez constar, nem por uma vez o Papa rejeita o mercado livre ou a globalização, e explicitamente refere que não pretende sugerir modelos de organização política ou alternativas ideológicas, aliás áreas incompatíveis com a religiosidade e a moral individuais e privadas de que o teólogo Ratzinger trata. Por azar, a subtileza do tratamento é excessiva para os que imaginaram nas suas palavras um apelo à "reinvenção" do sistema económico e, claro, um ataque à "ganância".

Embora a "ganância" não apareça na encíclica, apareceu de imediato nas cabecinhas dos que vêem na crise actual uma "oportunidade" para alterar a "estrutura" das sociedades ocidentais. A bem dizer, já antes da crise actual as cabecinhas em causa viam diariamente outras crises e outras oportunidades de espatifar o comparativo bem-estar de que dispomos, mas esse é um assunto diferente. Prefiro sublinhar o carácter expiatório de um termo que, se bem percebo, é sinónimo de apetite pelo lucro, materialismo ou, mais prosaicamente, do desejo de cada indivíduo em ver o seu trabalho recompensado. Querer ganhar mais dinheiro, em suma, é tão deplorável quanto as trafulhices de Madoff, que os inimigos do capitalismo não distinguem do enriquecimento lícito: tudo é ganância.

A "opção", claro, passa pelo Estado. Quando os cidadãos ambicionam aumentar ou no mínimo proteger os seus rendimentos, isso é ganância. Quando o Estado assalta os cidadãos para torrar os respectivos impostos em clientelas e "benesses" de utilidade discutível, isso é justiça social. Se um sujeito vive (confortavelmente) à custa de trabalho, incorre em pecado; se vive (confortavelmente) à custa do trabalho alheio é exemplo ou objecto de solidariedade.

Em última instância, a finalidade da inversão de valores é óbvia: critica-se o capitalismo porque a prosperidade (e a consequente liberdade) que só o capitalismo veicula retira audiência aos seus críticos, cujo desígnio é regulamentar vidas alheias. Uma existência desafogada é menos sensível à pregação de ociosos acerca da economia, dos hábitos sexuais ou do que calha. E ver as pessoas no fundo a fazerem o que lhes apetece suscita nos anticapitalistas uma irritaçãozinha com que a Igreja contemporânea nem se atreve a sonhar
."

Alberto Gonçalves

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