terça-feira, setembro 22, 2009

Exaltação do mártir Lopes

"O sr. Domingos Lopes, que até aqui era um comunista medianamente conhecido, tornou-se esta semana um ex-comunista ligeiramente mais conhecido após anunciar a sua saída do PCP. O anúncio já recebeu os louvores dos que, fora do partido, apreciam a coragem do sr. Lopes e o rancor dos que, dentro do partido, lhe abominam a traição.

Nisso não me meto. Apenas noto que o sr. Lopes amuou, em larga medida, pelo facto de, cito, "o PCP ser o único partido do mundo que mantém o apoio à invasão da Checoslováquia, em 1969, pelas tropas do Pacto de Varsóvia". Por acaso, no mundo real a referida invasão aconteceu em Agosto do ano anterior, mas o equívoco involuntário compreende-se: 1969 foi o ano em que o sr. Lopes invadiu, ainda que amistosamente, o PCP, no qual permaneceria quatro décadas, todas posteriores ao final da Primavera de Praga. Provavelmente, o inconsciente do sr. Lopes gerou o lapso quando achou incómodo usar como motivo de saída uma situação já existente aquando da respectiva entrada, à semelhança do sujeito que devolveu um triciclo porque, depois de o pedalar até à exaustão, constatou que a geringonça só tinha três rodas.

Equívocos à parte, a paciência do sr. Lopes é uma coisa extraordinária. O homem passou quarenta anos à espera que o PCP se desculpasse pela questão checa. Imagine-se o que será ir todos os dias durante quarenta anos para o emprego, no Comité Central ou na Secção Internacional do partido, e aguardar em vão as desculpas do PCP pela invasão da Checoslováquia. Imagine-se o que será elogiar, em documentos escritos e intervenções públicas, as proezas da URSS e não conseguir as desculpas do PCP pela invasão da Checoslováquia. Imagine-se o que será aplaudir alguns dos maiores criminosos do último século e continuar sem ouvir as desculpas do PCP pela invasão da Checoslováquia. Imagine-se o que será defender com unhas e dentes a invasão da Checoslováquia e o desgraçado do partido em que se milita não pedir o raio das desculpas pela invasão da Checoslováquia.

Jan Palach, o estudante de Praga que se incendiou em protesto contra os tanques soviéticos, sofreu, queimado no hospital, três dias. O sr. Lopes sofreu uma vida
."

Alberto Gonçalves

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