De ás de trunfo a duque de paus
"Vieira da Silva, na anterior legislatura, destacou-se (e até destoou) como um dos mais reformistas e conciliadores ministros do Governo de maioria absoluta de José Sócrates.
Foram, aliás, da sua tutela duas marcantes reformas do anterior Executivo, habilmente concretizadas sem contestação ou conflito digno de registo, apesar da delicadeza das respectivas matérias: a reforma da Segurança Social e a revisão do Código do Trabalho. Patrões e sindicatos, com maior ou menor grau de satisfação, cederam à capacidade argumentativa e negocial do ministro.
Não surpreendeu, também por isso, que José Sócrates, na reestruturação dos gabinetes ministeriais após as legislativas de Setembro, tenha premiado Vieira da Silva, promovendo-o a superministro da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento.
O que surpreendeu, sim, ainda que bem pareça na afirmação da lealdade ao líder, foi a má estreia de Vieira da Silva na nova legislatura.
O ministro da Economia – será sina do Ministério na era socrática? – resolveu inovar e desenvolver a tese da ‘cabala’ para defender o líder do PS no caso das escutas do processo ‘Face Oculta’, afirmando que o primeiro-ministro está a ser vítima de «espionagem política».
Chamado à Assembleia da República para prestar esclarecimentos sobre tão grave quão estapafúrdia tese, Vieira da Silva lá foi, esta semana, reafirmar o que dissera.
Mesmo que – tirando o reciclado líder parlamentar, Francisco Assis, que preferiu falar de «tentativa de decapitação» do PS, e uns quantos (embora poucos) mais – ninguém de bom senso tenha entretanto subscrito o fantasioso argumentário.
Antes pelo contrário, choveram críticas de todo o lado, incluindo do próprio partido (servindo de exemplo as declarações públicas e censuradoras dos ex-ministros da Justiça socialistas Vera Jardim e António Costa).
Segundo o que Vieira da Silva disse no Parlamento, não se tratou de uma gafe, nem de um deslize, nem de qualquer declaração irreflectida ou imponderada.
Quando afirmou que o caso das escutas envolvendo José Sócrates, as notícias que sobre estas foram publicadas e o aproveitamento político que delas fizeram dirigentes de outros partidos, se tratava de um caso de «espionagem política», foi isso mesmo que quis dizer. Em «plena consciência» e, enquanto «cidadão», no uso da «liberdade de expressão».
Ora, em ‘plena consciência’ e enquanto membro do Governo – e não um cidadão qualquer –, Vieira da Silva não devia nem podia ter dito o que disse.
Ainda que o tente negar, o que a expressão «espionagem política» traduz é um inqualificável ataque à investigação judicial em causa e uma inaceitável e ilegítima pressão sobre as magistraturas e autoridades policiais.
Que é ainda mais grave se atendermos ao facto de as declarações do ministro na comissão parlamentar terem sido reforçadas por um membro da direcção da bancada da maioria que suporta o Governo, Ricardo Rodrigues, com a afirmação de que a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, teve conhecimento da existência das escutas e do seu teor «há mais de três meses».
Para Ricardo Rodrigues, só tendo conhecimento do teor das escutas é que Manuela Ferreira Leite, antes do Verão, pode ter vindo publicamente afirmar que o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento quando disse em Plenário que desconhecia quaisquer negociações para a compra da TVI pela PT.
Ora, deste espantoso raciocínio de Ricardo Rodrigues só pode retirar-se que o próprio deputado socialista conhece o teor das escutas e dele conclui que o primeiro-ministro mentiu, de facto, ao Parlamento.
E ainda que Manuela Ferreira Leite de outro modo não poderia extrair a conclusão de que o primeiro-ministro tinha de ter tido conhecimento antecipado de um negócio como a compra da TVI pela PT – empresa em que o Estado, por acaso, é accionista e com golden share.
Já agora, será que Ricardo Rodrigues também acha que o Presidente Cavaco Silva, quando, nessa mesma altura, excepcional e publicamente exigiu explicações à administração da PT sobre o mesmo negócio, igualmente tinha já conhecimento da existência das ditas conversas entre Vara e Sócrates?
E todos quantos, então, publicamente comentaram e questionaram a autenticidade da afirmação de ‘ignorância’ do primeiro-ministro sobre esse assunto, no Plenário da Assembleia da República, também já sabiam das ditas escutas?
Pela lógica de Ricardo Rodrigues e de Vieira da Silva, vai a ver-se e toda a gente sabia, menos eles os dois.
E o povo, claro... que continua, aliás, na santa ignorância."
MRamires
Foram, aliás, da sua tutela duas marcantes reformas do anterior Executivo, habilmente concretizadas sem contestação ou conflito digno de registo, apesar da delicadeza das respectivas matérias: a reforma da Segurança Social e a revisão do Código do Trabalho. Patrões e sindicatos, com maior ou menor grau de satisfação, cederam à capacidade argumentativa e negocial do ministro.
Não surpreendeu, também por isso, que José Sócrates, na reestruturação dos gabinetes ministeriais após as legislativas de Setembro, tenha premiado Vieira da Silva, promovendo-o a superministro da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento.
O que surpreendeu, sim, ainda que bem pareça na afirmação da lealdade ao líder, foi a má estreia de Vieira da Silva na nova legislatura.
O ministro da Economia – será sina do Ministério na era socrática? – resolveu inovar e desenvolver a tese da ‘cabala’ para defender o líder do PS no caso das escutas do processo ‘Face Oculta’, afirmando que o primeiro-ministro está a ser vítima de «espionagem política».
Chamado à Assembleia da República para prestar esclarecimentos sobre tão grave quão estapafúrdia tese, Vieira da Silva lá foi, esta semana, reafirmar o que dissera.
Mesmo que – tirando o reciclado líder parlamentar, Francisco Assis, que preferiu falar de «tentativa de decapitação» do PS, e uns quantos (embora poucos) mais – ninguém de bom senso tenha entretanto subscrito o fantasioso argumentário.
Antes pelo contrário, choveram críticas de todo o lado, incluindo do próprio partido (servindo de exemplo as declarações públicas e censuradoras dos ex-ministros da Justiça socialistas Vera Jardim e António Costa).
Segundo o que Vieira da Silva disse no Parlamento, não se tratou de uma gafe, nem de um deslize, nem de qualquer declaração irreflectida ou imponderada.
Quando afirmou que o caso das escutas envolvendo José Sócrates, as notícias que sobre estas foram publicadas e o aproveitamento político que delas fizeram dirigentes de outros partidos, se tratava de um caso de «espionagem política», foi isso mesmo que quis dizer. Em «plena consciência» e, enquanto «cidadão», no uso da «liberdade de expressão».
Ora, em ‘plena consciência’ e enquanto membro do Governo – e não um cidadão qualquer –, Vieira da Silva não devia nem podia ter dito o que disse.
Ainda que o tente negar, o que a expressão «espionagem política» traduz é um inqualificável ataque à investigação judicial em causa e uma inaceitável e ilegítima pressão sobre as magistraturas e autoridades policiais.
Que é ainda mais grave se atendermos ao facto de as declarações do ministro na comissão parlamentar terem sido reforçadas por um membro da direcção da bancada da maioria que suporta o Governo, Ricardo Rodrigues, com a afirmação de que a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, teve conhecimento da existência das escutas e do seu teor «há mais de três meses».
Para Ricardo Rodrigues, só tendo conhecimento do teor das escutas é que Manuela Ferreira Leite, antes do Verão, pode ter vindo publicamente afirmar que o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento quando disse em Plenário que desconhecia quaisquer negociações para a compra da TVI pela PT.
Ora, deste espantoso raciocínio de Ricardo Rodrigues só pode retirar-se que o próprio deputado socialista conhece o teor das escutas e dele conclui que o primeiro-ministro mentiu, de facto, ao Parlamento.
E ainda que Manuela Ferreira Leite de outro modo não poderia extrair a conclusão de que o primeiro-ministro tinha de ter tido conhecimento antecipado de um negócio como a compra da TVI pela PT – empresa em que o Estado, por acaso, é accionista e com golden share.
Já agora, será que Ricardo Rodrigues também acha que o Presidente Cavaco Silva, quando, nessa mesma altura, excepcional e publicamente exigiu explicações à administração da PT sobre o mesmo negócio, igualmente tinha já conhecimento da existência das ditas conversas entre Vara e Sócrates?
E todos quantos, então, publicamente comentaram e questionaram a autenticidade da afirmação de ‘ignorância’ do primeiro-ministro sobre esse assunto, no Plenário da Assembleia da República, também já sabiam das ditas escutas?
Pela lógica de Ricardo Rodrigues e de Vieira da Silva, vai a ver-se e toda a gente sabia, menos eles os dois.
E o povo, claro... que continua, aliás, na santa ignorância."
MRamires
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