Ética
"Os políticos portugueses gostam especialmente de falar de ética. Isso poderá acontecer porque a não têm e, precisamente por isso, têm de falar dela.
As palavras permitem criar uma realidade virtual que substitui a realidade factual. Mas a explicação mais decisiva para o uso do discurso ético é a promessa de uma compensação política. Muitos têm a convicção de que apresentar-se como eticamente exigentes, por contraste com os seus adversários mais directos, é uma via segura para o sucesso político.
Por isso não é de estranhar que a Comissão de Ética da Assembleia da República se ocupe, interminavelmente, de um assunto tão difuso como a aferição do grau de liberdade de expressão em Portugal. Gostava de conhecer os pressupostos teóricos em que assenta a mensuração dessa liberdade. Essa discussão, embora académica, teria algum sentido. Mas é óbvio que os deputados da Comissão de Ética não dispõem de tais critérios de medida, nem estão interessados neles. O seu objectivo é, apenas, de índole política.
A mesma Assembleia da República formou, recentemente, uma Comissão Eventual para aferir se o primeiro-ministro mentiu ou não acerca do negócio PT-TVI. A mentira é alvo de condenação pela moral do senso comum e isso é positivo (de outra forma, não haveria confiança possível nas relações sociais). A determinação dos factos sobre se alguém mentiu ou não é também mais objectiva do que a questão anterior discutida na Comissão de Ética. Mas há pelo menos dois pontos a aclarar. Primeiro: a possível mentira do primeiro-ministro é grave? Sim, com certeza. Queremos políticos que digam a verdade. Segundo: houve algum primeiro-ministro em Portugal - ou em qualquer outro lado - que nunca tenha incorrido numa mentira deste género? Não, claro que não. Só os muito ingénuos acreditariam nisso. Mas os deputados não são ingénuos. Eles apenas usam a ética, também neste caso, para fazer política.
Uma manifestação ainda mais recente da obsessão com o discurso ético é a atribuição das culpas do nosso descalabro financeiro aos especuladores internacionais, por vezes com a nota racista de que eles são "anglo-saxónicos", talvez "de olhos azuis", como diria Lula da Silva. Os especuladores financeiros têm falta de ética? Obviamente. Mas a razão pela qual alguns se preocupam agora com a falta de ética dos especuladores também nada tem a ver com princípios morais. Trata-se apenas de uma desculpabilização, de um fugir às responsabilidades de opções temerárias em termos financeiros e económicos - uma atitude muito pouco ética, portanto.
Como diria Maquiavel, a um político não é necessário ter todas as virtudes morais (muito pelo contrário). Mas é preciso parecer tê-las."
João Cardoso Rosas
As palavras permitem criar uma realidade virtual que substitui a realidade factual. Mas a explicação mais decisiva para o uso do discurso ético é a promessa de uma compensação política. Muitos têm a convicção de que apresentar-se como eticamente exigentes, por contraste com os seus adversários mais directos, é uma via segura para o sucesso político.
Por isso não é de estranhar que a Comissão de Ética da Assembleia da República se ocupe, interminavelmente, de um assunto tão difuso como a aferição do grau de liberdade de expressão em Portugal. Gostava de conhecer os pressupostos teóricos em que assenta a mensuração dessa liberdade. Essa discussão, embora académica, teria algum sentido. Mas é óbvio que os deputados da Comissão de Ética não dispõem de tais critérios de medida, nem estão interessados neles. O seu objectivo é, apenas, de índole política.
A mesma Assembleia da República formou, recentemente, uma Comissão Eventual para aferir se o primeiro-ministro mentiu ou não acerca do negócio PT-TVI. A mentira é alvo de condenação pela moral do senso comum e isso é positivo (de outra forma, não haveria confiança possível nas relações sociais). A determinação dos factos sobre se alguém mentiu ou não é também mais objectiva do que a questão anterior discutida na Comissão de Ética. Mas há pelo menos dois pontos a aclarar. Primeiro: a possível mentira do primeiro-ministro é grave? Sim, com certeza. Queremos políticos que digam a verdade. Segundo: houve algum primeiro-ministro em Portugal - ou em qualquer outro lado - que nunca tenha incorrido numa mentira deste género? Não, claro que não. Só os muito ingénuos acreditariam nisso. Mas os deputados não são ingénuos. Eles apenas usam a ética, também neste caso, para fazer política.
Uma manifestação ainda mais recente da obsessão com o discurso ético é a atribuição das culpas do nosso descalabro financeiro aos especuladores internacionais, por vezes com a nota racista de que eles são "anglo-saxónicos", talvez "de olhos azuis", como diria Lula da Silva. Os especuladores financeiros têm falta de ética? Obviamente. Mas a razão pela qual alguns se preocupam agora com a falta de ética dos especuladores também nada tem a ver com princípios morais. Trata-se apenas de uma desculpabilização, de um fugir às responsabilidades de opções temerárias em termos financeiros e económicos - uma atitude muito pouco ética, portanto.
Como diria Maquiavel, a um político não é necessário ter todas as virtudes morais (muito pelo contrário). Mas é preciso parecer tê-las."
João Cardoso Rosas
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