quarta-feira, abril 28, 2010

Há mar e mar

"O grande charco da política nacional vive um peculiar período de acalmação. O primeiro-ministro circula pelo país com discursos e inaugurações, conversa longamente com o líder do PSD e promete aos indígenas um futuro superior.

Da longa conversa entre Sócrates e Passos Coelho nada se sabe, mas foi um ‘flash' de ternura ver a despedida calorosa à porta de São Bento. Afinal, nem Sócrates é o feroz dragão, nem Passos Coelho é o implacável São Jorge. Este Governo vegeta de braços caídos, tal a passividade com que encara a governação. Diga-se que o traje da minoria não favorece a linha do primeiro-ministro que governa com desinteresse e apenas para manter o privilégio do poder. Sócrates tem o lugar de primeiro-ministro garantido pela estratégia do PSD, pelo receio de uma explosão da crise da dívida e pela próxima eleição para a Presidência da República. São garantias pouco saudáveis para uma política séria e eficaz, ou não faltasse o espectro da alternativa que obriga ao esforço do rigor e da imaginação. Neste momento, os portugueses vivem sem voz e sem escolha. E se assim não é, pois assim parece.

Daqui deriva uma essencial e contraditória tendência. Ao mesmo tempo que o primeiro-ministro adopta um estilo presidencial assinalado pelo simbolismo dos gestos, o Presidente da República exibe um perfil mais executivo vincado pelo activismo do discurso. Veja-se a título de exemplo o discurso do 25 de Abril. Cavaco Silva fala da importância do mar como recurso estratégico, sublinha a importância da economia criativa, enaltece as virtudes do Norte como locomotiva da economia nacional e reforça a mensagem de esperança. Para além das suaves e clássicas críticas ao Governo, o discurso encerra uma dimensão politicamente subliminar. A solução atlântica soa a confissão do fracasso da projecção de Portugal como potência continental e europeia. A não afirmação de Portugal na Europa resulta da incapacidade produtiva e da secular falta de competitividade da indústria nacional. Uma interpretação benevolente pode ver nas palavras do Presidente da República uma alternativa ao modelo de desenvolvimento económico - só pela afirmação atlântica Portugal poderá consolidar a sua posição na Europa. A ideia de uma economia criativa num país pós-industrial representa o reconhecimento do colapso da modernização na capacidade de produzir, de exportar e de gerar riqueza. A nova economia criativa é a tentativa de ultrapassar o fracasso actual através de um grande salto em frente. Na política nacional, a esperança é sempre o primeiro sintoma do desespero.

Quando a Grécia ameaça o colapso e os mercados observam a fragilidade de Portugal, o primeiro-ministro tem o PEC no papel e as más notícias guardadas numa câmara acústica. Enquanto Portugal cospe greves antes de tempo, o Governo prepara 750 milhões de euros para o pacote de salvação da Grécia. Em cenário de crise, as palavras do Presidente da República sobre a justiça social não têm cotação no mercado
."

Carlos Marques de Almeida

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