quinta-feira, abril 29, 2010

Desafio à democracia portuguesa

"O País e o Governo estão há meses a tentar evitar o que acabou por acontecer mesmo, nomeadamente a descida de dois níveis no rating da Standard & Poor's. Essa avaliação, a par da caracterização pouco eufemística da dívida grega como "lixo" mostra que o esforço de todos os que tentaram distinguir a situação grega da portuguesa foi em vão. O contágio entre Portugal e Grécia deixou de ser uma probabilidade para ser uma realidade.

Posto isto, o ataque a Portugal constitui uma duríssima pergunta do mercado à Alemanha e à Europa enquanto espaço político. Essa pergunta é: Existem países que podem ser tratados como o Lehman Brothers dentro da vossa moeda única? Enquanto Berlim e Bruxelas não respondem, as instituições nacionais portuguesas têm de fazer frente a este enorme desafio lançado à democracia portuguesa.

Desafio que vem, como todos sabemos, numa altura em que as instituições estão particularmente débeis e fracas. O governo é de minoria, o parlamento está fragmentado, a esquerda eurocéptica encontra-se fortalecida desde as eleições de Setembro. Do ponto de vista sistémico, desde os anos oitenta que PS e PSD juntos não detinham tão poucos assentos parlamentares.

Mesmo assim, as últimas notícias são levemente encorajadoras. PS e PSD propõem agora unir esforços: Sócrates e Teixeira dos Santos anunciaram que será necessário implementar já medidas de resposta que passam por políticas muito duras para os portugueses. E Passos Coelho - numa atitude construtiva - anunciou a sua disponibilidade para não deixar que Portugal caia numa situação de bancarrota financeira. Cavaco Silva também tem vindo a dar sinais de apoio a este Governo nas tentativas de evitar o pior. A resposta conjunta do PS e PSD, com o apoio de Belém, é fundamental para credibilizar as medidas que vão agora ser implementadas. Em todos os momentos estruturantes de mudança na democracia portuguesa foi necessário o acordo entre estes dois partidos. 2010 não deverá ser diferente.

O que está em causa é o compromisso de Portugal com a Europa. Ao longo dos últimos 36 anos a convergência com a Europa foi sendo construído árdua e gradualmente pelos dois principais partidos, o PS e o PSD.

Pertencer à Europa significou em primeiro lugar, a opção por um regime democrático e liberal, por instituições representativas, e a rejeição cabal de alternativas populistas de cariz socialista. Essa foi uma batalha travada na primeira década da democracia. E só em 1982, com a revisão constitucional acordada entre PS e AD é que foi alcançado este objectivo de aproximação à norma europeia.

A segunda batalha, a da convergência económica, foi inicialmente corporizada no objectivo de adesão à CEE. Que foi alcançado em 1986. Mais uma vez foram o PS e o PSD, na época em coligação formal e contra a vontade do PCP e da extrema-esquerda, que estiveram na linha da frente das reformas necessárias que permitiram a adesão.

Nos últimos anos, Portugal voltou a descolar da Europa. Não são as finanças públicas de per si, mas a fraquíssima performance da economia real portuguesa a fonte da sua desadequação ao euro. Portugal tem perdido competitividade inexoravelmente dentro da moeda única. A alteração deste status quo exige reformas drásticas há muito diagnosticadas, mas sistematicamente adiadas, porque muito difíceis para a sociedade portuguesa.

Tanto em 1982, como em 1986, houve um acordo entre PS e PSD de regime para cumprir os objectivos da convergência com a Europa. Em 2010, volta a haver a necessidade desse acordo. Resta saber como é que as lideranças políticas vão gerir o entendimento para permitir que Portugal consiga superar este desafio supremo com outros mais banais. Mas que têm vindo a dominar o debate político. A saber, o desenrolar do inquérito PT/TVI e o calendário para as eleições presidenciais que se vai começando a impor ao país político
."

Marina Costa Lobo

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